Navios de Guerra - Nagato e Mutsu

Eu realmente sou uma criatura muito teimosa. Tem horas que eu bato o pé e não desisto de certas coisas. Infelizmente, muitas delas não dependem de mim, e assim eu acabo ficando só na insistência, sem ir a lugar algum. Mas tem outras que eu tenho total controle, como o que eu escrevo por aqui, e assim eu vou em frente até que eu me canse. Me refiro às postagens que eu sei que ninguém lê, sobre navios de guerra. Venho com outra delas, novamente falando de embarcações japonesas com seus nomes engraçados, dessa vez os encouraçados Nagato e Mutsu, que combateram na Segunda Guerra.

Embora eu já tenha falado das minhas razões várias vezes, eu repito: curto ler e estudar sobre o assunto, pois cada navio é como uma entidade com sua própria bibliografia. Aviões e tanques eram construídos a dezenas, centenas e talvez até milhares, e assim eram veículos impessoais, quase que descartáveis. Talvez só os grandes bombardeiros não fossem muito assim, aqueles que eram batizados pela sua tripulação, com aquelas artes no nariz da aeronave remetendo a alguma piada, personagem de desenho animado ou uma pin-up girl, mas mesmo assim muitos que foram esquecidos. Navios, por sua vez, eram veículos muito maiores e construídos em menor quantidade, especialmente as grandes embarcações como encouraçados, e cada um deles teve a sua história, desde o dia em que levaram uma garrafada e foram batizados até encontrarem o seu fim, tipicamente afundando em combate ou sendo desmontados para virar sucata após o conflito, ou mesmo alguns que tiveram a sorte de virar navios-museu.   

Com exceção do Nagato e Mutsu, navios irmãos da esquadra japonesa. Cada um deles teve um destino bem peculiar, e por essa razão os escolhi para esta postagem.

Mas vamos começar com o início da história. No início do século XX houve uma grande revolução no que dizia respeito ao conceito de navios de guerra, e o Japão tinha um plano de fortalecimento de sua esquadra após a guerra com os russos, que se chamava "Frota Oito-Oito". Para fazer frente aos Estados Unidos, os japas queriam ter oito encouraçados e oito cruzadores de batalha, totalizando dezesseis navios de grande porte. Aos poucos, os primeiros navios foram construídos, começando com o encouraçado Fuso e os quatro cruzadores de batalha da classe Kongo, como o Haruna abaixo. Foram os primeiros a serem autorizados, em 1911, e naquele momento poderíamos dizer que ainda era uma "frota quatro-um".

Em 1913, outros três navios foram liberados para construção, o Yamashiro, que era o irmão do Fuso, juntamente com o Ise e o Hyuga, uma classe um pouco mais avançada que a anterior. E nesse momento os japoneses já tinham chegado na metade do caminho, era uma frota "quatro-quatro". Todos esses navios até então com armamentos de 14 polegadas (356 mm), o que era o que tinha de mais poderoso na época. 

A segunda metade do pacote foi um pouco mais difícil de ser aprovada pelo parlamento, afinal de contas era grana aos montes sendo destinada a construir navios de guerra, que poderia ser usada para outra coisa. Foram várias conversas até que os americanos anunciaram que eles iam modernizar a sua esquadra, fazendo uma porrada de navios. Foi o suficiente para que em 1916 quatro encouraçados e quatro cruzadores de batalha novos fossem autorizados, possibilitando chegar ao "oito-oito" desejado. E é bem nesse momento que começa a história dos irmãos Nagato e Mutsu, dois dos encouraçados aprovados, juntamente com dois outros da classe Tosa e os quatro cruzadores de batalha da classe Amagi.

Aliás, dos quais eu já falei aqui, dois deles viriam a se tornar os porta-aviões Akagi e Kaga.

A classe representava um grande avanço em relação aos seus predecessores. Cada um tinha 215 metros de comprimento, com um peso total de quase 40 mil toneladas quando totalmente carregado, por conta de uma massiva blindagem de cerca de 35 centímetros em algumas regiões no navio. Apesar disso, conseguiam chegar a uma velocidade de 26 nós (cerca de 50 quilômetros por hora), mais rápidos que os encouraçados mais antigos. O armamento principal era composto por oito canhões de 16 polegadas (406 mm), distribuídos em quatro torres duplas, duas na proa e duas na popa. Além disso, carregavam dezenas de armas de menor calibre e até mesmo tubos de torpedos, o que era comum nos encouraçados da época. O Nagato foi completado em novembro de 1920 e o Mutsu em outubro de 1921.

Alguns poucos meses antes daquele Tratado de Washington, do qual eu sempre falo. Acho que vou fazer um post só dele, pra não ter que ficar me repetindo.

E sim, eu sei que esse pato com o penteado do George Washington não tem pôrra nenhuma a ver com a postagem. Mas ele veio aqui pra se meter no meio mesmo, e já foi embora.

Voltando, de forma resumida esse tratado tentava dar uma controlada na corrida armamentista das marinhas do mundo, estabelecendo uma série de critérios e limites para cada país, forçando inclusive a interrupção da construção de alguns navios que estavam em andamento. O Japão se sentiu o mais prejudicado nessa história, pois isso esculhambou os planos da "Frota Oito-Oito", tendo que se desfazer de vários navios, alguns que estavam iniciando sua construção. 

Pior de tudo, quase que o Mutsu dançou nessa brincadeira, pois ele foi listado como um dos navios para ser desmontado. Puta sacanagem, disseram os japoneses, pois ele havia acabado de ser lançado, estava ainda com aquele cheirinho de navio novo e sem aquelas perebas que juntam no casco. As partes entraram em negociação, e no final ele foi "salvo"; como consequência, os japoneses tiveram que se desfazer de um outro navio mais velho, e Estados Unidos e Inglaterra foram autorizados a construir dois navios semelhantes ao Mutsu em tamanho e armamento. 

Na década de 20, período entre as duas grandes guerras, os navios logicamente não viram muita ação. Talvez o maior destaque ficou pelo apoio que os dois deram após o terremoto de Kanto, em que eles transportaram suprimentos para os sobreviventes. O mesmo terremoto que inutilizou o cruzador de batalha Amagi, que viria a ser convertido em um porta-aviões, como comentei na postagem mencionada acima. Outra coisa que aconteceu é que durante um exercício em alto-mar os dois encouraçados trombaram um contra o outro, mas sem nenhum problema crítico além do Nagato ter perdido uma âncora.

Algo curioso é que durante esses anos muitos pequenos ajustes foram feitos nos navios, tentando corrigir alguns problemas de projeto. Por exemplo, foi feito um teste com o Mutsu para remodelar a proa (a frente no navio), para melhorar seu desempenho em alto-mar, que funcionou e depois tal modificação foi replicada no Nagato. Em um dado momento seus tubos de torpedos foram também removidos. Mas o mais interessante foram as várias tentativas de arrumar as suas chaminés. Pois a fumaça ia direto para da torre de comando, atrapalhando quem estivesse ali, assim como prejudicando os controles de mira de suas armas.

A primeira tentativa foi colocar um troço lá na chaminé, como mostra essa foto do Nagato abaixo, pra desviar o fumacê pra trás. Mas não deu certo, a fumaça continuava chegando na torre.

Aí algum japonês, provavelmente meio trêbado depois de algumas doses de saquê, teve uma ideia meio doida para tentar controlar a fumaça e resolver o problema: foi proposta uma mudança da chaminé, que ficou no formato de uma minhoca torta, para ver se assim a fumaça não iria atrapalhar.

Bem doido... e não funcionou. 

Nos meados da década de 30 os japoneses decidiram finalmente dar uma reformada mais extensa nos dois navios, em vez de ficar com essa ladainha de fazer ajustes de forma homeopática. Além de receberem proteções contra torpedos e mais metralhadoras anti-aéreas, o Nagato e o Mutsu também ganharam melhorias na propulsão e maquinário, que resultou inclusive na remoção da primeira chaminé, aquela que era torta, ficando com uma só. Os canhões principais também foram trocados, usando aqueles que seriam usados nos encouraçados Kaga e Tosa que nunca foram completados, que tinham maior ângulo de operação. Ganharam também um pouco de comprimento, passando a medir 225 metros, e suas estruturas dianteiras foram alteradas, seguindo um modelo de mastro em pagode.

Não, não esse tipo de pagode... A referência é com aquelas construções típicas japonesas com vários telhados, como essa aqui de baixo.

Pois é, foi uma ideia largamente empregada em todos os encouraçados japoneses que foram modernizados nesse período, ostentando torres imensas que despontavam do casco do navio como um dedo médio em riste. Ou se preferir, como um órgão masculino apontando para o alto. Tudo isso era pensando em batalhas noturnas, onde holofotes seriam montados no topo do "pagode", que atuaria como se fosse um farol. Mas no final das contas não passou de uma mera marca registrada da marinha japonesa, uma vez que logo apareceram os radares, minimizando o uso de luzes na hora de combater no escuro. 

Com tudo isso, o Nagato e o Mutsu ganharam um visual um pouco mais moderno, e tão logo ficaram prontos, foram despachados para a guerra com os chineses, onde atuaram mais como transporte de tropas. E no final de 1938, o Nagato se tornou o navio-capitânia da esquadra japonesa, algo como se fosse o líder de todos os navios. 

Não era à toa, pois o Nagato e o Mutsu representavam até então o que havia de mais poderoso na marinha japa, havia poucos encouraçados no momento que se equiparavam aos dois. Inclusive existia até uma expressão que se popularizou chamada "The Big Seven", ou "Os Grande Sete", que incluía os navios de guerra que tinham armamento de 16 polegadas. Além dos dois navios japoneses, faziam parte deste seleto grupo os encouraçados norte-americanos Colorado, West Virginia e Maryland (dos quais eu falei brevemente neste post sobre os navios de Pearl Harbor) e os britânicos Rodney e Nelson.

Nesse momento o início da Segunda Guerra se aproximava, e o Nagato viria a ter uma certa participação nisso, uma vez que o almirante da esquadra japonesa estava nele quando autorizou o ataque japonês na base americana no Havaí. Tudo bem que ele estava lá no Japão, a mais de seis mil quilômetros da zona de combate... mas o que vale é a intenção. O máximo que o Nagato e o Mutsu fizeram foi apenas ir para alto-mar para acompanhar os porta-aviões que retornaram do ataque a Pearl Harbor. E agora era pra valer, com a guerra iniciada os dois grande encouraçados iriam fazer o possível para ajudar.

Claro, teria que vir aqui algum desenho das meninas-navio... não só por serem jogos que eu tenho jogado recentemente, mas pelo fato de que não tem tantas fotos reais dos navios japoneses. Essas aí são a Nagato e Mutsu do Kantai Collection... e a Mutsu, de cabelos curtinhos e jeitinho meigo, é uma gracinha.

O grande detalhe é que a era dos grandes navios, com poder de fogo devastador, já havia acabado. O próprio ataque japonês a Pearl Harbor demonstrou como que os porta-aviões viriam a se tornar as peças principais das esquadras. Os dois encouraçados não fizeram muito naquele início da guerra: não demorou e o Nagato perdeu o posto de navio-capitânia para o monstruoso Yamato, e o Mutsu serviu como reboque de um velho navio que foi usado como alvo para o novíssimo encouraçado.

Os três maiores navios da marinha japonesa viriam a atuar juntos na fatídica batalha de Midway em junho de 1942, onde não fizeram nada de útil, apenas ajudaram a transportar alguns dos sobreviventes dos quatro porta-aviões que foram destruídos. Os dois voltaram para o Japão e depois de algumas semanas recebendo a manutenção de rotina, os dois irmãos foram separados: o Nagato acabou sendo designado para treinamentos e exercícios, enquanto que o Mutsu foi direcionado com outros navios para a base avançada de Truk, no meio do Pacífico, para apoiar em operações na região. 

Entretanto, o Mutsu não fez muita coisa por lá, tentando localizar um pequeno porta-aviões americano que estava na região e dando alguns tiros com seus canhões anti-aéreos contra um avião de reconhecimento. Só isso. Em janeiro de 1943 ele retornou para o Japão, onde quase participou de uma missão no norte do Pacífico, e depois ficou apenas com missões de treinamento. 

Até o dia 8 de junho de 1943, em que o Mutsu estava no porto, e naquele dia viria a receber alguns cadetes em treinamento e seus instrutores. Exatamente às 12:13, a sua terceira torre, cujo paiol estava carregado de munição, explodiu do nada. 

Claro que não foi algo cuti-cuti como a bonequinha do Kantai Collection acima. Mas, como era de se imaginar, não tem nenhuma foto real da explosão do navio. Não apenas pelo fato de existirem poucos registros dos navios japoneses na época da guerra (acho que naquele período eles não tinham ainda a fama de fotografar tudo) e pela explosão ter sido um acidente inesperado que pegou todos de surpresa, mas também por razões que eu vou comentar mais adiante.

Enfim, mas pelo que foi relatado foi uma mega explosão, percebida até pelo Nagato, que neste dia estava se dirigindo ao porto, e se safou de qualquer dano por conta do incidente, já que ele seria ancorado ao lado do malfadado Mutsu. A força foi tanta que o navio partiu no meio, sendo que a parte da frente tombou de lado e afundou, enquanto que a parte de trás ficou flutuando, apesar do dano. O rabisco abaixo que achei em um site há algum tempo mostra como ficou o Mutsu depois do episódio.

Vários navios que estavam próximos (entre eles o cruzador "pé-frio" Mogami) mandaram botes salva-vidas, e também foram iniciadas operações de busca na região do porto. Pois havia a hipótese de que tinha sido um submarino inimigo que havia torpedeado o Mutsu, mas nada foi encontrado. Cerca de 350 sobreviventes foram resgatados, e foram contabilizadas 1121 vítimas.  

Realmente foi uma grande tragédia, e que naquele momento pouco se sabia quais foram as causas. A comissão responsável pela investigação do acidente declarou inicialmente que a culpa era de um marinheiro que estava puto com algum de seus superiores, e assim ele se suicidou e levou o navio junto. Mas outras ideias foram propostas, e algumas mais recentes levam a crer que foi mesmo um acidente, causado por algum incêndio no local, já que os navios japoneses usavam muitos materiais inflamáveis na sua construção e nos objetos transportados, como madeira e tecidos. A verdade é que provavelmente nunca saberemos ao certo o que levou o Mutsu a explodir.

Curioso que os japoneses pensaram em recuperá-lo em um primeiro momento. Mas logo viram que era não só uma proposta otimista, mas uma verdadeira bobagem: afinal de contas, o que menos eles precisavam era gastar os escassos recursos do Japão para reconstruir um encouraçado que pouco iria contribuir no conflito. Tanto que alguns meses mais tarde os japoneses até extraíram o que tinha de combustível ainda dentro do Mutsu, para abastecer o restante da frota. 

O que aconteceu é que o Japão quis esconder o acidente a todo o custo, até para não demonstrar para seus inimigos que um navio havia simplesmente explodido no porto. Talvez por isso não existam muitos registros do acidente, como forma de acobertar o ocorrido. Os sobreviventes foram mandados para ilhas sob controle japonês para não falarem nada, e até mesmo algumas referências ao Mutsu foram feitas periodicamente pelo rádio para dar a impressão que ele estava operando em algum lugar distante. Mas não demorou para os americanos perceberem que um dos navios japoneses tinha sumido misteriosamente. 

Pra não cortar a história fatídica do Mutsu, ao longo dos anos as operações de resgate seguiram, ganhando mais velocidade a partir da década de 50, após a guerra. Vários pedaços do navio foram recuperados, boa parte virou sucata, até o término das operações de resgate lá pela década de 90, restando ainda um pouco do navio no fundo do porto. Cabe comentar que muitos artefatos estão hoje em exibição em um museu que foi erguido em memória ao encouraçado japonês, assim como em outros museus espalhados pelo país. 

Mas ainda restava o Nagato. E o destino também veio a reservar um fim bem peculiar para ele.

Depois de mais um monte de operações de treinamento (pombas, só usaram o Nagato para treinamento), ele se dirigiu para a mesma base de Truk onde o seu irmão havia ficado, juntamente com boa parte da esquadra japonesa. Depois de tentativas de localizar navios inimigos na região, sem sucesso, ele foi relocado para outras bases no início de 1944 para fugir de submarinos americanos, até chegar em uma base avançada na Cingapura. Onde, de novo, foi usado para exercícios em alto mar, durante todo o primeiro semestre daquele ano. Até que em junho o Nagato viria a finalmente participar de uma operação de fato, na batalha das Filipinas.

Mas ele também não fez quase nada, apenas derrubou dois aviões torpedeiros americanos e recebeu os sobreviventes de um porta-aviões japonês que foi afundado. Pelo menos o Nagato não sofreu nada, apenas foi alvejado por metralhadoras de aviões inimigos, mas nada crítico. Depois de mais uma participação inútil, ele voltou para o Japão onde passou por uma breve reforma para colocar mais canhões anti-aéreos, e de novo zarpou para a Cingapura e depois para o Brunei.

Chegou o mês de outubro e o Nagato se juntou ao que restava da frota japonesa para a batalha do Golfo de Leyte, que seria decisiva para selar o fim da marinha japonesa. Aqui o Nagato se envolveu mais, sobrevivendo aos ataques de bombardeiros americanos que acertaram duas bombas no encouraçado, e ele teve finalmente a chance de disparar seus canhões pela primeira vez na guerra, atirando contra porta-aviões leves americanos, mas sem acertar nenhum deles. Depois de uma outra participação inexpressiva, o Nagato fugiu de volta para o Brunei, e depois voltou para o Japão, chegando em casa em novembro. 

Mas nesse momento a guerra já estava perdida. O Japão estava com sua marinha toda arrebentada, sem condições de enfrentar os Estados Unidos, que tinham muito mais navios nessa altura do campeonato. Era apenas questão de tempo até a derrota chegar.

Nesse momento o Nagato passou por mais uma reforma... na verdade, por algumas mudanças improvisadas para que ele atuasse como uma plataforma de canhões anti-aéreos. Sua chaminé foi recortada, assim como o mastro traseiro, para dar uma maior visibilidade para esses canhões, e aquele que era o orgulho da marinha há algumas décadas foi rebocado para servir como um navio de proteção costeira. Navios de apoio foram colocados próximo a ele, para fornecer energia para seus canhões, e assim ele ficou.

Os americanos estavam cada vez mais próximos nesse momento, e uma série de ataques aéreos foram realizados sobre o Japão. O que restava da marinha japonesa foi sendo pouco a pouco aniquilado, mas o valente Nagato se mostrou teimoso e não afundou, apesar de ter sido atingido várias vezes. Diferente dos outros encouraçados, ele estava ainda com relativas condições de navegação e combate, e quase saiu do porto para atacar um comboio inimigo, que na verdade era apenas um alarme falso. Depois de mais alguns meses e de sobreviver a inúmeros bombardeios, chegou o dia 15 de agosto de 1945, em que o Japão se rendeu, depois das duas bombas atômicas. 

Com isso, o Nagato, que naquele momento era o maior navio da marinha japonesa, havia conseguido a rara proeza de ter sobrevivido à guerra. Mas ainda não era o fim de sua história.

Após a rendição, navios americanos chegaram ao Japão e logo começaram a mandar na parada toda, incluindo no Nagato, que era um dos poucos navios japoneses que ainda estava flutuando e com capacidade mínima de navegação. Como é possível ver neste raro vídeo feito pelos norte-americanos após vencerem a guerra, em que o encouraçado japonês é inspecionado.

Mas os Estados Unidos tinham planos para o Nagato e alguns outros navios. Em março de 1946, ele se dirigiu para um atol no meio do Pacífico, juntamente com um cruzador japonês chamado Sakawa, ambos manejados por marinheiros americanos. Apesar de ainda ter a capacidade de navegação, ele estava bem estropiado, cheio de buracos e com isso acumulando água. No meio da viagem o cruzador quebrou, o Nagato tentou rebocá-lo mas com isso estourou suas caldeiras, e precisou que dois rebocadores americanos viessem ao resgate para puxá-los. Mas o suficiente para chegar em um porto no meio do caminho para um mínimo de conserto, para concluir sua viagem ao atol de Bikini.

Que pode ou não ter alguma relação com a Fenda do Biquini, onde vive o Bob Esponja. Como vamos ver, talvez explique a existência de uma esponja falante.

Pois esse atol de Bikini era o lugar onde os Estados Unidos estavam fazendo testes nucleares, avaliando o potencial das bombas que eles estavam fabricando. E para avaliar o poder destrutivo delas foi decidido usar navios de guerra relativamente antigos, a maioria deles americanos (incluindo alguns porta-aviões e encouraçados veteranos), mas também foram colocados três navios capturados: o cruzador alemão Prinz Eugen, que havia acompanhando o famoso Bismarck em sua fatídica viagem, e o Nagato juntamente com o cruzador Sakawa, recém-chegados de sua vagarosa jornada. 

O primeiro teste, chamado Able, no final de junho de 1946, foi com uma bomba atômica lançada por um avião, como aquelas que foram jogadas no Japão. O alvo seria o veterano encouraçado Nevada, sobrevivente do ataque em Pearl Harbor e que havia sido pintado de laranja para facilitar a identificação do alvo. O Nagato estava bem próximo dele, provavelmente os americanos quiseram fazer uma certa "justiça poética" e assegurar que o navio de onde o ataque japonês ao Havaí foi comandado seria certamente destruído. Mas o avião errou o alvo por uns 600 metros, e assim o encouraçado japonês resistiu, apesar de ter sido danificado pela explosão.

Aliás, nesse momento foi possível perceber como que os navios japoneses tinham uma construção relativamente robusta. Pois a avaliação das equipes de investigação após o teste mostraram que o Nagato havia resistido mais aos efeitos da explosão do que o Nevada. Lembrando que o encouraçado americano estava teoricamente intacto, enquanto que o japonês acumulava vários danos depois dos bombardeios que sofreu no Japão. Conseguiram até ligar uma de suas caldeiras, que ficou funcionando por um dia e meio, enquanto que as dos navios americanos tinham ido pro beleléu.

Cerca de um mês mais tarde foi realizado o segundo teste, de nome Baker. Dessa vez, a bomba seria colocada debaixo de um navio, e os restantes foram posicionados ao redor. Talvez para assegurar que a explosão ia ocorrer no lugar certo, e não ter que contar com um bombardeiro zarolho. O Nagato foi posicionado a cerca de 700 metros do ponto de detonação, juntamente com vários outros navios, entre eles o velho encouraçado americano Arkansas, que estava a meros 160 metros do alvo, e o porta-aviões Saratoga, este a cerca de 400 metros da bomba. 

E essa foi uma puta bomba. A explosão causou um tsunami de quase 100 metros de altura que atingiu os navios com uma força descomunal. O vídeo abaixo mostra o estrago da criança.

Dessa vez a destruição foi imensa. O navio que estava sobre a bomba foi simplesmente vaporizado, não sobrou nem uma migalha; o pobre Arkansas foi jogado para o alto como se fosse feito de papel, afundando de ponta-cabeça; o Saratoga, atingido por onda de choque submarino, teve seu caco rasgado e ele afundou; outros navios menores, como submarinos, também foram seriamente danificados e viriam a afundar logo depois.

E o Nagato? Depois que a água baixou, lá estava ele, ainda inteiro, só com uma pequena inclinação para um dos lados.

Embora o gigantesco navio japonês estivesse relativamente íntegro, os danos dessa segunda explosão viriam a se mostrar fatais para todos os navios. Afinal, como desta vez a bomba explodiu abaixo da superfície, as embarcações no atol foram encharcadas com água radioativa, o que impediu que as equipes fossem investigar e reparar os danos. Só em navios que estavam muito longe, como o Prinz Eugen (que estava a cerca de um quilômetro da explosão), foi feita a tentativa de limpeza mais efetiva, mas sem sucesso. Para o Nagato e demais navios mais próximos da bomba, os níveis de radiação eram muito altos, e os americanos se restringiram a disparar jatos de água sobre eles de longe, numa tentativa inútil de remover a radiação. 

Incrivelmente, aquele navio que havia comandado o ataque a Pearl Harbor resistiu bravamente. Apesar de levemente inclinado para o lado e cheio de vazamentos que enchiam seu casco de água, o Nagato permanecia de pé. Fico imaginando que devia ter muito americano que ficou puto da vida com isso, pois sem dúvida tinha gente querendo ver o navio japonês sendo destruído, como forma de vingança. 

Mas sua hora chegou cinco dias depois, quando no meio da noite, sem ninguém olhando, a inclinação do navio aumentou consideravelmente, e o Nagato emborcou para o lado, encontrando seu descanso final no fundo do atol de Bikini. 

O Nagato continua lá, e hoje é um dos muitos navios afundados que se tornou uma atração para mergulhadores na região. Embora eu certamente não iria me arriscar nesse lugar, considerando que ainda deve existir algum tipo de radiação nos escombros dos navios que estão ali. 

E essa foi a história dessa classe de grandes encouraçados japoneses, que tiveram destinos bem peculiares. Se consideramos os navios que combateram na Segunda Guerra, a grande maioria ou afundou e está em lugares inacessíveis ou mesmo desconhecidos (geralmente do lado dos perdedores) ou então foi desmontado e virou sucata (como aconteceu com muitos dos vencedores). Poucos estão em lugares relativamente bem identificados e acessíveis, e principalmente quando falamos de navios japoneses. Isso mostra como o Mutsu e o Nagato tiveram uma certa "sorte" e ainda existem de alguma forma, o primeiro como vários artefatos que foram mantidos em museus e o segundo como base para recifes de coral radioativos.

Termino repetindo o que eu sempre digo: acho muito legal e interessante ver a "biografia" desses grandes navios que participaram de um dos maiores conflitos da História. Mais ainda quando vemos dois deles que tiveram carreiras bem únicas. Por mais que eu saiba que muita gente não se anima com isso aqui, vamos ver qual (ou quais) navios serão os próximos a passarem pelo site.

Comentários