Sei que o título está meio genérico, mas eu não consegui pensar em algo diferente que pudesse descrever melhor o assunto sobre o qual vou escrever. O que posso adiantar é que ele foi motivado pessoalmente por algo que aconteceu em um dos joguinhos de celular que eu venho jogando faz algum tempo. Como é de se esperar, um jogo que provavelmente não tem muita gente jogando por conta de seu tema bem ortodoxo... ou será que não? Afinal de contas, o episódio que eu vou contar provavelmente não aconteceria se fosse um título pouco popular.
Venho hoje para falar sobre como uma base de fãs de alguma coisa qualquer, seja um jogo de videogame como será o foco aqui, ou mesmo outra coisa como uma banda, série de televisão, história em quadrinhos ou atleta, pode ser extremamente exagerada e doentia em alguns momentos. Chegando ao ponto de ter reações explosivas e tempestivas, que em algumas vezes passa dos limites aceitáveis.
O caso em particular que me motivou a dedicar alguns parágrafos sobre isso tem a ver com aquele jogo que eu gosto, Azur Lane. Se você disse "que é isso?", bom... melhor ir lá na postagem onde falei a respeito dele. Mas se estiver com preguiça, digo resumindo que é um gacha game baseado em navios da Segunda Guerra, mas que são personificados de forma humana pelas simpáticas meninas-navio.
Eu espero você parar de rir ou de me chamar de bicha. Sério, nem ligo mais. Sei que é um tema que poucos se interessam, e menos ainda quando é representado dessa forma com meninas-navio. O que importa é que me divirto com esse joguinho simples mas agradável, que me faz distrair um pouco dos problemas de dia-a-dia.
Parou de me sacanear? Posso continuar? Então, vamos...
Como é comum nesses gacha games, periodicamente são feitos eventos especiais. Não apenas para trazer alguma novidade, mas também para apresentar novas conquistas para os jogadores, como personagens e itens raros (alguns que exigem gastar dinheiro de verdade). Não é diferente com Azur Lane, que tipicamente traz eventos temáticos que são focados em uma determinada facção que representa um dos países que combateu na guerra. E essa é a oportunidade para aparecem novas meninas-navio.
Algo que é bem específico do jogo é que cada menina-navio é baseada em um navio de verdade que existiu há alguns anos. Tem uma que personifica o porta-aviões Enterprise, outra que é baseada no encouraçado de bolso alemão Graf Spee e outras que representam os porta-aviões japoneses Akagi e Kaga, e por aí vai. Já existem centenas de meninas-navio no jogo, e por conta dessa referência histórica fica aquela expectativa, principalmente por parte dos conhecedores e entusiastas da história naval, de quando o navio X ou Y terá sua versão estilo anime no jogo.
Uma expectativa que anda de mãos dadas com sentimentos como frustração e desapontamento. Por exemplo, até agora Azur Lane não lançou uma menina-navio baseada no famoso Yamato, maior encouraçado já construído, algo que o jogo "rival" Kantai Collection fez há anos...
Embora os fãs do Kancolle tem a sua dose de frustração pois lá ainda não lançaram uma menina-navio Enterprise, como já tem em Azur Lane. Mas lá até tem um certo desconto, pois é um jogo muito focado nos navios japoneses, e só recentemente é que embarcações de outras nações começaram a aparecer...
E a frustração fica maior quando vemos (especialmente em Azur Lane) que inventam meninas-navio baseadas em projetos que nunca saíram do papel. Por exemplo, se formos olhar a quantidade de navios que fazem parte do Iron Blood (que representa a Alemanha), diria que metade é de projetos fantasiosos que sequer foram desenhados. Eu particularmente não acho que esse é um grande problema, nada demais em trazer navios que nunca existiram, tem até uma categoria de meninas-navio que tem a ver justamente com isso; mas que fizessem depois de já terem inserido algumas para representar navios que existiram de verdade. Tipo, tem navios alemães que foram construídos e combateram, mas que ainda não ganharam sua versão menina-navio...
Mas diria que pelo menos a maior parte da comunidade de jogadores de Azur Lane parece levar esse tipo de situação na boa, como se fosse até mesmo uma das características do jogo em gerar toda uma imensa expectativa. Foi como aconteceu recentemente em um evento focado na facção russa (melhor dizendo, soviética), em que depois de anos de espera finalmente os jogadores puderam "contratar" a menina-navio Sovetsky Soyuz, líder do grupo que já apareceu inúmeras vezes nas cutscenes mas só agora é jogável. Tem horas que é melhor relaxar e rir da própria frustração, pois ficar emburrado por conta de um jogo não vale a pena.
Ah... mas isso foi até o evento que começou nessa semana, focado na marinha britânica...
A grande expectativa em torno desse evento é que tudo indicava que uma das novas meninas-navio do jogo seria baseada em um encouraçado britânico. Começaram então as apostas e muita gente acreditou que o navio escolhido da vez seria o Anson, que fazia parte da classe de encouraçados King George V, a mais moderna que combateu com a bandeira do Reino Unido.
Muito dessa antecipação vinha pelo fato que o Anson era o último que restava dessa classe. Afinal de contas, os jogadores já tinham as representações antropomórficas do King George V, Prince of Wales, Duke of York e Howe, além de uma baseada no Monarch, projeto prévio à classe e que alguns consideram da mesma "família". Mesmo sabendo que tem outros encouraçados britânicos que não ganharam sua versão estilo Azur Lane, as chances eram grandes que seria o Anson.
Quem apostou nele acertou. Mas talvez a menina-navio Anson não era o que a maioria esperava...
Se você não é familiarizado com esses jogos de meninas-navio, tipo Azur Lane e Kantai Collection, há uma certa tendência de representar cada classe de embarcações de uma determinada forma relativamente padrão. De uma forma geral, quanto maior o navio, mais "adulta" é a menina-navio: assim, porta-aviões e encouraçados são geralmente representados por jovens mulheres, cruzadores são adolescentes nos seus vinte e poucos anos e os pequenos destróieres são tipicamente pirralhas em idade colegial (mas com 18 anos ou mais, para que ninguém receba uma visitinha do FBI).
E a classe de encouraçados King George V seguia exatamente essa premissa, como você pode ver abaixo. Todas as quatro como meninas-navio adultas e relativamente parecidas, apenas Duke of York é que destoa um pouco com suas orelhas de elfo. Outro ponto a ser observado é que elas se vestem de forma parecida, justamente para demonstrar que elas são "irmãs" que fazem parte de uma mesma "família", que corresponde à classe de embarcações citada.
Diante disso, já era possível imaginar que Anson provavelmente seria parecida. Talvez até com uma cor de cabelo diferente, mas com uma aparência e roupas semelhantes às suas quatro irmãs. Inclusive sempre foi comum ver gente criando desenhos mostrando diferentes percepções de como seria Anson quando finalmente ela aparecesse em Azur Lane.
Mas ninguém imaginava que ela seria assim...
Foi um choque para todos os jogadores quando as redes sociais do jogo divulgaram a nova menina-navio que estrearia, como costumam fazer alguns dias antes de um evento. As reações foram das mais diversas, a maioria delas bem negativa ao ver que Anson não tinha nada a ver com o que esperavam.
Convenhamos, mesmo que você não curta o jogo, fica bem evidente a diferença gritante entre as duas últimas imagens. A começar que Anson foi personificada por uma pirralha tampinha... talvez até fizesse um pouco de sentido se o navio original tivesse sido o último a ser lançado (Anson foi o 4º da classe) e muitos anos depois, o que poderia explicar a enorme diferença de idade para suas irmãs. Mas não era o caso. Além disso, vestida com um maiô de escolinha japonesa, que juntamente com sua forma de tábua induzia ser mesmo uma colegial como uma destróier ou mesmo um submarino. Pra piorar, ela usa uma bóia pra flutuar (que diabos de navio precisa de uma bóia?!). Pra piorar ainda mais, ela fica com um bigodinho postiço que parece ter sido roubado da cara do Super Mario ou do mascote da Pringles. E pra piorar de vez... ela usa sandália Crocs...
A recepção dos fãs não foi positiva. Até tentaram arrumar algumas teorias para explicar por que Anson foi feita dessa forma, como ser uma espécie de referência ao submarino nuclear britânico do mesmo nome, sugerindo que ela era uma irmã "adotada" ou até mesmo supondo que tudo não passava de uma pegadinha de 1º de abril, que está logo ali. Não faltaram teorias e tentativas de explicação.
Seguindo nessa linha do dia da mentira, uma das hipóteses que apareceu e me soou até interessante é que não se tratava de Anson, mas sim de um velho encouraçado britânico chamado Centurion. Tudo isso por conta de um fato que aconteceu de verdade: para enganar as forças inimigas, os britânicos pegaram o velho navio e o "disfarçaram" como o verdadeiro Anson, colocando torres de canhão de mentira, e o mandaram para escoltar um comboio no Mediterrâneo.
Dessa forma, faria um pouco de sentido que a "Anson" lançada em Azur Lane era na verdade Centurion. Explicaria o fato de ser tão fisicamente diferente em relação às demais e até mesmo dava um pouco mais de sentido para o bigode de mentira... Antes fosse isso, teria sido até uma sacada legal do jogo.
A grande verdade é que a maioria dos jogadores e fãs ficou extremamente chateada com a arte proposta para Anson. Em comunidades na internet e nas redes sociais a maioria se revoltou com a escolha da Yostar e Manjuu, empresas que desenvolvem Azur Lane. Que no final das contas é o grande foco de minha postagem, mostrando como que os fãs chegam a reações muito extremas por conta de algo que não gostaram. Teve gente enviando mensagens grosseiras e xingamentos nas redes sociais das empresas, outros que ameaçaram deletar o jogo de seus celulares e nunca mais chegar perto de Azur Lane, e até aqueles que começaram a dizer que iriam jogar Kantai Collection ou outro jogo concorrente. Chegou até ao ponto em que um grupo se organizou para fazer um abaixo-assinado para arrumar uma forma de proibir que Anson fosse lançada dessa forma.
Isso me faz pensar como que os fãs podem ser muito fanáticos e extremos. Afinal de contas, se você curte muito alguma coisa, não é por conta de algo que você não gostou que é necessário reagir dessa forma explosiva, xingando e ameaçando largar de mão aquilo que te trouxe tantos bons momentos. Pessoalmente, por mais que eu tenha achado o visual proposto de Anson como algo muito destoante, não iria me emputecer como muita gente. Tem várias outras personagens do jogo que eu não acho que ficaram muito legais, e particularmente nunca digeri muito bem a ideia de fazer as japonesas com orelhas e caudas de animais, mas não é razão para espernear que nem uma criança mimada, como a maioria desses fãs doentios por aí.
O curioso é que tem gente que vai discordar de mim, achando que fãs dedicados tem esse direito. Em algumas postagens que li de curioso, vi muita gente dizendo algo como "eu já gastei X dólares comprando itens premium no jogo, então não admito que coloquem uma personagem assim". Pombas, é apenas um jogo, e com uma caralhada de meninas-navio de todos os tipos, não é por conta de uma ou outra que alguém tem que deixar de jogar um jogo que gosta. Acredito que tem muito a ver com essa atual geração mimizenta, que quer que o mundo se curve aos seus desejos e vontades.
Pior de tudo é ver que as reações que citei acima, apenas no campo das reclamações e chororô, são até brandas se compararmos em como os fãs chineses (país onde de onde o jogo é) se portaram... Ameaças de agressão física aos desenvolvedores e ao artista que criou a arte é apenas um exemplo de como na China o pessoal dá um novo significado à palavra "extremo".
O resultado é que neste último domingo a conta oficial de Azur Lane anunciou que Anson não seria lançada no evento deste dia 28, sendo postergada após uma reavaliação da arte da personagem. Ou seja, a empresa "atendeu" aos pedidos depois de toda a pressão... e Anson foi mandada embora antes de ter a chance de estrear no jogo...
Coitadinha... apesar do bigodão tosco, acho que ela poderia voltar como outro navio, tipo um submarino ou coisa assim.
De qualquer forma, esse episódio mostra como que os fãs têm um poder de ditar o que as empresas e artistas vão fazer, todo o fuzuê de uma comunidade de jogadores de um joguinho que certamente não é um dos mais conhecidos foi suficiente para impedir o surgimento de um determinado personagem. E como qualquer poder, é preciso uma certa responsabilidade para não usá-lo de forma errada.
Não foi a primeira vez que a revolta do público e dos fãs mudou os rumos de algo. Para citar um caso mais falado, é só nos lembrarmos de como a opinião negativa e repulsa dos fãs pela primeira versão do Sonic do filme fez com que a produção fosse interrompida para mudar o visual do porco-espinho mais rápido dos videogames.
Temos que ser sinceros: essa foi uma das vezes em que a reação negativa dos fãs foi muito bem justificada, pois o Sonic original com essa cara de bunda parecia mais um bicho de pelúcia de quinta categoria... Mostrando que tem momentos em que as críticas acabam sendo fundamentais para colocar algo "nos trilhos", vide o sucesso do filme do Sonic, que certamente não viria se o personagem principal continuasse tosco como um tamanduá vesgo.
Mas ultimamente temos visto um aumento da quantidade de fãs tóxicos (embora eu não curta muito usar essa palavra, que é comum na boca dos politicamente corretos). Acho que principalmente neste atual momento, onde temos um imenso acesso à informação, as pessoas acabam se envolvendo demais em certas coisas que curtem, sejam jogos, filmes, séries ou artistas, chegando a um ponto em que essa dedicação deixa de ser saudável. Por exemplo, me lembro da época do filme Avatar, onde certas pessoas ficaram depressivas pois queriam viver naquele mundo de fantasia retratado no filme, chegando ao ponto que alguns cometeram suicídio pois não aguentavam viver em em nosso mundo. Casos muito comuns são também de pessoas que não conseguem diferenciar o artista de um personagem, especialmente quando este é um vilão odiado em um filme ou série. Ou então pessoas que passam a detestar algo que gostavam tanto por conta de alguma declaração ou ato reprovável. Por fim, cabe ressaltar aqueles cuja obsessão os leva até a níveis criminosos, tipo o "fã" que matou John Lennon.
Isso sem falar nos fãs exagerados mas que não são necessariamente tóxicos ou agressivos. Tipo aqueles que vivem suas vidas apenas para seus ídolos, que fazem questão de demonstrar o quanto são apaixonados por eles. Como os que mudam seus próprios nomes ou aparência para ficar igual à atriz que adora, outros que comprar qualquer coisinha relacionada a sua banda favorita, tem aqueles que levam na pele seu amor pelo ídolo com tatuagens... Chegando até os casos que diria doentios, como o sujeito que se casou com sua personagem favorita de anime.
Na minha opinião, isso mostra como a maioria das pessoas hoje em dia são problemáticas. Sei lá, será alguma coisa no ar ou na água que as pessoas bebem, algo leva o fanatismo a níveis extremos e absurdos. Até digo que em casos "benignos" eu nem ligo muito, tipo se formos pensar no sujeito acima que se casou com uma boneca japonesa. Ridículo, sem dúvida; mas sendo bem sincero, a princípio o cara não está fazendo mal a ninguém. Por mais que seu fanatismo possa ser considerado exagerado, a partir do momento que ele fica feliz com isso e não esteja prejudicando ninguém, quem se importa?
O problema é quando o fanatismo vai para outros caminhos, com violência e agressão. Aí não são fãs, mas sim criminosos. Considerando o próprio caso do Azur Lane, imaginar que teve nego ameaçando o desenhista que fez a arte de Anson, que provavelmente nem sabia para o que ela seria usada e estava seguindo as orientações da produtora do jogo... sério, é caso de polícia. Infelizmente, pelo que li isso faz parte da base de fãs chineses, teve casos até piores em que ameaçaram o dono da empresa que fazia o jogo de morte só porque mudaram um personagem... Gente que faz isso tinha que ser presa.
Bom, vamos ver se nesse caso em particular do Azur Lane não chega a esse ponto de uma ira exagerada por parte dos jogadores. Considerando que Anson já foi cortada antes mesmo de aparecer, diria que houve um rápido "damage control" das empresas que fazem o jogo, que provavelmente vão pensar cinco vezes sobre o novo design da quinta irmã da classe King George V. E quanto à arte que foi criada, confesso que apesar de algumas tosqueiras como o "bigodón" e as Crocs, não veria problema em ser reaproveitada para outra personagem.
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