Navios de Guerra - Graf Spee

E lá vamos nós de novo, com uma postagem sobre aquele tema que provavelmente interessa só a mim, mas que insisto em fazer. Pois você sabe que eu sou um leitor assíduo de meu próprio blog? Pois é, são muitas as ocasiões nas quais eu revisito meus textos, quando quero relembrar o que eu escrevi, em algumas situações passando por aquela sensação de "meu passado me condena" ao ver o que eu escrevia há algum tempo atrás. Não me envergonho, pois o que fazemos no passado fica no passado e assim foi feito baseado em quem eu era lá atrás; mas é sem dúvida bem curioso ler de novo o que eu costumava escrever, para recordar de certos acontecimentos de alguns anos atrás, avaliar postagens que (modéstia à parte) ficaram muito boas, me dar conta que muitos dos vídeos do YouTube que eu indicava já foram removidos e até para corrigir os errinhos de Português que cismam em passar depois de várias revisões...

Por isso eu sei que escrevo postagens que não são muito atraentes e possam agradar somente a um público muito pequeno. Como hoje, em que volto para falar de navios de guerra, e para variar um pouco trazendo um pouco da história de um navio alemão que encontrou seu fim bem pertinho do Brasil: o Graf Spee.

Antes de mais nada, por se tratar de um navio alemão e sabendo como que a sociedade atual é extremamente fresca e chata, problematizando com tudo por conta de sua visão politicamente correta estúpida, acredito ser pertinente fazer o manjado disclaimer. Afinal de contas, como o assunto é um navio alemão, que na época da Segunda Guerra vivia sob o regime nazista, é bem provável que em algumas fotos do navio possa aparecer uma suástica aqui ou ali. E sabemos que a geração "floquinho de neve" de hoje em dia fica histérica diante de um símbolo desses; embora muitos desses não vejam problema nenhum no martelo e na foice.

Assim, que não apareça ninguém enchendo a pôrra do meu saco por ter visto uma suástica em uma foto HISTÓRICA de um navio de guerra do qual estou contando sua história. O fato de ter uma foto assim não significa que eu nem ninguém seja nazista. Para aqueles panariços cheios de frescura, politicamente corretos que não têm o que fazer, esquerdistas que insistem com a narrativa que Bolsonaro e quem vota nele são fascistas e genocidas, bem como os criadores de caso em geral que gostam de ser "do contra"... sério, podem ir embora. Gente chata, que não tem a maturidade para entender que existe uma enorme diferença entre defender um regime criminoso (como o seu "primo" socialismo, diga-se de passagem) e uma mera referência histórica sobre algo que aconteceu, não é bem-vinda aqui. 

Sério, tem horas que eu me aborreço em como hoje em dia temos que atestar o óbvio... Mas vamos em frente, para seguir com o assunto.

A história do Graf Spee e seus dois irmãos, o Deutschland e o Admiral Scheer, começa após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando os alemães foram derrotados e uma série de restrições foram impostas em suas forças militares. Eram as premissas do Tratado de Versalhes, assinado em 1919, e que entre outras coisas limitava a marinha alemã a manter apenas seis velhos encouraçados e seis cruzadores leves, e estes só poderiam ser substituídos depois que completassem vinte anos. E ainda tinha uma limitação quanto aos novos navios: estes poderiam ter até 10 mil toneladas de deslocamento. Comparando com o Tratado de Washington, do qual eu falei aqui, isso não era nada, se considerarmos que as outras nações podiam fazer navios de até 35 mil toneladas. 

A intenção era clara: pra não dar chance para os chucrutes inventarem outra guerra, foram forçados a ter navios pequenos, apenas para defender sua costa. E dá pra imaginar que eles ficaram bem putos com isso... Sem falar que as restrições impostas à Alemanha tiveram grande impacto em sua economia, o que viria a atrasar o lançamento de qualquer novo navio.

Apesar da forte oposição contra a construção de novos navios de guerra (tanto interna como por parte dos países aliados), a aprovação veio no final da década de 20, em grande parte por conta do empenho de muitos políticos nazistas que haviam sido eleitos há poucos anos. O projeto selecionado seria de um navio de pequeno porte, dentro do limite de 10 mil toneladas do Tratado de Versalhes, mas contando com uma forte blindagem, grande velocidade e canhões de 280 milímetros (ou 11 polegadas). Começava a nascer a classe Deutschland, da qual o Graf Spee faria parte.

Vale começar com uma grande indefinição sobre a exata classe dessas embarcações. Se você já viu alguma de minhas postagens de navios de guerra, ou ao menos já jogou Batalha Naval alguma vez na vida, certamente tem a ideia de que há uma grande diferença entre encouraçados e cruzadores. Os primeiros eram os navios mais fortes por assim dizer, contando com blindagem resistente e armas de grande porte, mas geralmente prejudicando sua velocidade, enquanto que os últimos eram basicamente o oposto, com navios mais esguios e velozes, mas com armas de menor calibre e uma blindagem menor. Já existia também uma classe intermediária, referente aos chamados cruzadores de batalha, muito comuns na 1ª Guerra e que contavam com o armamento de encouraçados mas tinham menos blindagem, para assim ganharem em velocidade. 

E onde que os Deutschlands se encaixavam nessa zorra? Pois eles eram navios relativamente pequenos e velozes como um cruzador, mas tinham um armamento relativamente forte (cruzadores geralmente carregavam canhões de 8 polegadas) e uma boa blindagem como um encouraçado. Era algo híbrido, um meio-termo que os alemães chamavam de panzerschiffe, que ficaram conhecidos como "encouraçados de bolso".

Embora fizesse parte da mesma família, cada um dos três navios tinha algumas pequenas sutilezas em termos de tamanhos. Considerando o Graf Spee, que é o "astro" da postagem, estamos falando de um navio com cerca de 186 metros de comprimento e pesando quase 15 mil toneladas, passando um pouco do limite do tratado. Algo a se comentar é que a classe trouxe uma série de inovações que otimizaram o projeto: por exemplo, o uso de rebites para unir as chapas metálicas foi quase que totalmente substituído por soldas, o que permitiu "reduzir" o seu peso em 15%. Entre aspas pois na verdade esse peso economizado com a montagem permitiu que os navios recebessem uma blindagem mais forte, chegando a 100 milímetros de espessura. Outra novidade foi o uso de propulsão totalmente a diesel, conferindo uma velocidade máxima de 28 nós (cerca de 50 quilômetros por hora). Por fim, o armamento principal era composto por 6 canhões de 280 milímetros, em duas torres triplas (uma na proa e outra na popa), além de armas secundárias e tubos de torpedos.

O Admiral Graf Spee era o "irmão mais novo", cuja construção começou em 1932, até ser lançado em 1934 e entrar em serviço dois anos depois. O Deutschland começou suas operações em 1933 e o Admiral Scheer no ano seguinte. 

Na década de 30 os três navios fizeram várias missões de patrulha, especialmente durante a Guerra Civil Espanhola. O Graf Spee em particular cumpriu até mesmo uma missão diplomática no ano de 1937, representando a Alemanha no desfile naval em homenagem ao rei George VI da Inglaterra (pai da rainha Elizabeth II, falecida recentemente). Curioso observar como que há poucos anos antes da 2ª Guerra começar as nações que viriam a ser inimigas tinham essa "amizade", lembrando que nessa época Hitler e o partido nazista já governavam a Alemanha. Faz a gente pensar como que deixaram o bigodinho de boa esse tempo todo... 

Bom, sem mais delongas. Começou a guerra em 1939 e aí os encouraçados de bolso alemães começaram os seus trabalhos. O Scheer estava no porto na ocasião, enquanto que os outros dois estavam no Atlântico, para desempenhar a função prioritária para a qual a classe havia sido desenvolvida: atacar comboios aliados. Afinal de contas, o armamento de grosso calibre permitia que eles atirassem de longe, além de serem fortes o suficiente para encarar navios de escolta (geralmente cruzadores), e se desse algum problema, tinham velocidade suficiente pra se mandar pra longe. O Deutschland começou atuando no Atlântico Norte (indicado pela linha tracejada), conseguindo algumas poucas vitórias, enquanto que o Graf Spee (cuja rota é mostrada pela linha contínua) ficou no Atlântico Sul.

As intervenções dos navios alemães poderiam ser até comparadas com uma missão de piratas. Pois a ideia não era necessariamente sair "sentando o dedo nessa pôrra" e mandando chumbo nos navios mercantes, mas sim abordá-los para pegar as mercadorias que quisessem, antes de permitir a evacuação de sua tripulação (quando não eram capturados) e finalmente afundar o navio. Verdadeira pilhagem mesmo. 

Vale ressaltar que os panzerschiffes ficavam meses em alto-mar pois tinham navios de apoio nas redondezas, com combustível e suprimentos. No caso do Graf Spee, a ajuda ficava por conta do navio Altmark, que também levava embora os prisioneiros e cargas que tinham sido tomadas dos cargueiros inimigos. Isso permitia que os encouraçados de bolso ficassem sempre em movimento, dificultando a localização.

A primeira vítima do Graf Spee foi o cargueiro inglês Clement, que foi abordado e afundado próximo da costa de Brasil, em 11 de setembro de 1939. Apenas dois tripulantes foram mantidos como prisioneiros, os demais foram deixados em botes salva-vidas. Curioso é que o capitão do navio alemão, Hans Langsdorff, teve até uma atitude "humana", ao enviar uma mensagem de rádio para o porto em Pernambuco para solicitar o resgate da tripulação do navios mercante inglês.

Sei que daqui a pouco vão dizer que eu estou defendendo um nazista... Mas achei interessante comentar isso pelo simples fato de que na época muitos marinheiros em geral (de todos os países) tinham esse tipo de empatia pelos marujos inimigos, talvez por reconhecerem os percalços que fazem parte da vida em alto-mar. Não era incomum ver as tripulações de um navio realizarem um esforço para resgatar os sobreviventes do inimigo que afundaram, a menos que isso os colocasse em risco. Especialmente neste caso: embora fossem ingleses, eram tripulantes da marinha mercante, não eram militares.

De qualquer forma, isso não seria justificativa para os aliados ficarem quietos diante dessa situação, e assim eles enviaram uma esquadra para o Atlântico Sul, para caçar aquele navio que era uma ameaça aos seus comboios. As forças aliadas incluíam os porta-aviões ingleses Ark Royal, Hermes e Eagle, o cruzador de batalha Renown e uma série de cruzadores. Até os franceses estavam nessa, com seu velho porta-aviões Bearn, os encouraçados Dunkerque e Strasbourg e outros navios menores. De todos esses navios, vale destacar uma pequena força britânica, com os cruzadores pesados Exeter (na foto abaixo) e Cumberland e os leves Ajax e Achilles, este último que na verdade era da marinha neozelandesa. Uma vez identificada a presença de um navio alemão na área, o Cumberland foi separado para patrulhar as ilhas Falklands (Malvinas é o caralho!) e os demais ficaram próximos ao Uruguai e Argentina, sob o comando do comodoro Henry Harwood.

Enquanto isso o Graf Spee estava fazendo a festa. No dia 5 de outubro ele capturou o navio a vapor Newton Beech, que passou a acompanhá-lo para levar os prisioneiros e suprimentos. Em 7 de outubro a vítima foi outro navio mercante, o Ashlea. No dia seguinte o capitão decidiu se livrar no Newton Beech, que era lento que nem uma tartaruga, depois de passar os prisioneiros para o Graf Spee. Ele viria a ser "substituído" por outro navio a vapor, o Huntsman, capturado em 10 de outubro. No dia 15 o navio alemão se encontrou novamente com o Altmark para abastecimento e reparos, assim como para transferir os prisioneiros. Dessa forma, o Huntsman deixou de ser necessário, e foi afundado no dia 17. E no dia 22, foi a vez do navio a vapor Trevanion ser afundado. Até o momento já tinham sido cinco navios atacados pelo Graf Spee.

Pra dar uma enganada nos ingleses, o Graf Spee zarpou mais para leste, chegando até a costa da África, perto de Madagascar. No dia 15 de novembro ele localizou e afundou o petroleiro MV Africa Shell, e no dia 16 encontrou um pequeno navio holandês, que foi abordado mas poupado. Após esse rápido passeio pela costa africana, o Graf Spee retornou ao Atlântico no final do mês de novembro, se encontrando novamente com o Altmark para reabastecimento.

Falando em enganação, achei curioso como nesse momento a tripulação decidiu fazer uma malandragem para tentar enganar seus inimigos. Para dar a impressão que o Graf Spee era mais poderoso do que era, fizeram uma espécie de "maquiagem" no navio pra enganar os trouxas. Isso foi feito ao erguer uma segunda chaminé falsa e fizeram uma espécie de torre extra na proa. As ilustrações abaixo comparam o visual original do navio, na parte de baixo, com sua versão "fake".

O Graf Spee seguiu adicionando mais vítimas à sua lista, e a próxima foi o mercante Doric Star, que foi abordado e afundado no dia 2 de dezembro, mas não antes do capitão enviar uma mensagem de rádio a Harwood e sua força de cruzadores ingleses. No dia seguinte o Graf Spee afundou mais um, dessa vez o navio a vapor SS Tairoa. No dia 6 de dezembro foi mais um encontro com o Altmark, para reabastecimento e para largar a cambada de prisioneiros ali. Por fim, no dia 7 de dezembro foi a vez do cargueiro Streonshalh, que seria o último navio a ser afundado pelo Graf Spee. Foram nove navios afundados, totalizando mais de 50 mil toneladas, durante os meses de setembro e dezembro de 1939

Langsdorff decidiu rumar para Montevideo, especialmente depois de ter tido acesso a documentos obtidos de sua última vítima, indicando a movimentação de navios inimigos naquela região. Nessa hora a sua sorte começou a mudar, quando o seu hidroavião de busca pifou, limitando assim a capacidade de reconhecimento. E na manhã do dia seguinte, finalmente a esquadra inglesa viria a encontrar o navio alemão. Era o começo do confronto que viria a ser conhecido como a Batalha do Rio da Prata.

É interessante observar que, se por um lado os ingleses tinham uma considerável vantagem numérica, a peleja seria como se um lutador de jiu-jitsu peso-pesado fosse encurralado por três magricelas. Se formos comparar apenas armamentos, o Graf Spee contava com seis canhões de 280 milímetros; do outro lado, o Exeter tinha seis canhões de 203 milímetros, em três torres duplas, e os irmãos Ajax e Achilles carregavam oito canhões de 150 milímetros, em quatro torres duplas. Além disso, os cruzadores ingleses eram menos blindados do que o navio alemão. Eles precisariam usar bem sua vantagem de números para vencer o Graf Spee.

A verdade é que Langsdorff aparentemente subestimou os adversários, imaginando que os dois cruzadores leves na verdade eram destróieres, e que estariam supostamente protegendo um comboio grande (se o avião de reconhecimento não estivesse quebrado, talvez ele saberia a força dos inimigos). Assim, ele decidiu rumar em direção dos ingleses, enquanto esses se dividiram, o Exeter de um lado e o Ajax e Achilles do outro, cercando o Graf Spee.

O mapinha abaixo mostra a movimentação das forças, observe as horas que indicam a posição dos navios.

A porradaria logo começou, com o Graf Spee apontando seus canhões contra o Exeter, já que era o navio inimigo mais forte. E a surra foi grande, com o pobre navio inglês sendo alvejado com disparos certeiros que destruíram suas duas torres frontais, arrebentaram com os sistemas de comunicação e causaram incêndios em diversas partes do navio. Enquanto isso, o Ajax e o Achilles tentavam acertar o Graf Spee, mas sem sucesso. Ao menos, ao se aproximar um pouco mais, conseguiram desviar a atenção dos alemães, que provavelmente iriam destruir o pobre do Exeter se a pancadaria continuasse.

Mas aí é que vemos como que as biografias desses navios são marcadas por fatos extremamente curiosos. Mesmo sem duas de suas três torres, sem rádio e em chamas, o Exeter seguiu lutando bravamente. E vale falar que seus canhões remanescentes tinham que ser mirados de forma manual, já que os sistemas de mira também tinham sido destruídos. Mesmo assim, um disparo certeiro do cruzador inglês atingiu o Graf Spee próximo de sua chaminé, arrebentando o seu sistema de combustível. Um único acerto que foi de certa forma fatal, pois ele não conseguiria navegar por muito mais tempo, a menos que fossem feitos reparos efetivos. E assim o capitão Langsdorff decidiu fugir em direção a Montevideo. 

Os ingleses continuaram lutando bravamente. O Exeter seguia atacando, até um curto-circuito fez com que sua última torre ficasse inoperante, obrigando o estropiado cruzador a bater em retirada. Curioso que, em duas oportunidades o Graf Spee tentou se aproximar do Exeter para finalizar o serviço, mas os demais cruzadores ingleses conseguiram se aproximar o suficiente para espantar o navio alemão. Começou então uma "troca de gentilezas" entre eles, com tiros de um lado e tiros de outro. Dessa vez, o Ajax foi quem levou a pior, recebendo vários acertos do Graf Spee, danificando duas de suas quatro torres de canhões e causando outros estragos. 

A verdade é que o Graf Spee estava realmente levando a melhor, pois já tinha inutilizado o Exeter e deixado o Ajax bem estropiado. Seus canhões mais poderosos e blindagem mais resistente o colocavam em ampla vantagem, mas aquele tiro recebido pelo Exeter tinha sido suficiente para deixar o navio alemão em uma condição delicada. Com cerca de 16 horas de combustível, ele não conseguiria voltar para casa, e havia ainda o risco de encontrar outros navios inimigos. Por isso a decisão do capitão alemão foi correr para um porto neutro.

Os ingleses seguiram com a perseguição com os dois cruzadores leves (o Exeter se mandou em direção às ilhas Falklands), eventualmente com algumas breves trocas de tiros com o Graf Spee. Teve até uma situação curiosa, quando o navio a vapor SS Shakespeare cruzou o caminho do navio alemão, que chegou a mandar uma salva de tiros na direção dele, mas acabou escapando ileso. O Ajax e o Achilles continuaram na perseguição, e a essa altura mensagens de rádio foram enviadas para chamar o Cumberland, aquele outro cruzador que estava na região, e qualquer outro navio inglês próximo para se juntar ao combate. 

O Graf Spee finalmente chegou em Montevideo na meia-noite. O que provavelmente foi uma escolha ruim: embora o Uruguai fosse neutro, ele pendia mais para o lado dos ingleses e assim o governo local certamente iria trabalhar para ajudá-los. Seria menos pior se ele tivesse ido para um porto argentino, já que os "hermanos" eram mais neutros. Nessa hora, parece que os advogados entraram em cena para invocar uma série de artigos de convenções internacionais relacionadas à neutralidade de países, como no caso do Uruguai, alguns até relativamente ambíguos na minha opinião. Por exemplo, um artigo dizia que um navio só podia ficar em um porto neutro por até 24 horas; por outro lado, outro determinava que um navio só podia sair de um porto neutro depois de 24 horas da partida de um navio mercante com bandeira de um inimigo. Basicamente, esses artigos colocaram as cartas nas mãos dos aliados, que tinham total controle de quando o Graf Spee seria obrigado a sair de Montevideo. Tipo, dava pra ajustar a saída de navios mercantes ingleses que estavam em Montevideo de forma que houvesse um espaço de 24 entre eles, e assim forçando o navio alemão a esperar... e assim dar tempo para a chegada de reforços. E quando os reforços chegassem, bastava interromper a saída dos navios mercantes, e um dia depois o Graf Spee seria obrigado a sair.

Pois é... para o azar do Graf Spee, os alemães não tinham um STF para dobrar as leis de acordo com o que era mais interessante para eles...

A verdade é que o encouraçado de bolso alemão poderia ter arriscado uma fuga naquele momento, pois teria pela frente apenas os dois cruzadores leves ingleses (que já estavam danificados e com pouca munição) e o Cumberland, que embora fosse um pouco mais forte que o Exeter (tinha oito canhões de 203 milímetros), ainda não seria páreo para o Graf Spee. O problema era que ele também estava danificado e com estoque de munição reduzido. E o defeito nas linhas de combustível limitava sua movimentação de forma drástica.

Além disso, os ingleses decidiram dar uma "trollada", começando a espalhar transmissões de rádio falsas afirmando que uma forte esquadra estava nas redondezas e se aproximando, contando com um porta-aviões, um cruzador de batalha e três cruzadores pesados. Embora fosse verdade que uma força estava a caminho, ela estava ainda muito longe para poder contribuir com alguma coisa naquele momento. 

Assim, o capitão Langsdorff precisou avaliar as opções. Os reparos levariam semanas, e depois de todo esse tempo o Graf Spee poderia ser "internado" em Montevideo, o que daria a chance aos ingleses para inspecionar e estudar o navio alemão. Correr para Buenos Aires, onde o governo argentino era mais "simpático" a Berlin, era uma possibilidade, mas a presença da suposta esquadra inglesa mais forte aumentava os riscos de um combate em que levaria a pior. Dessa forma, ele tomou a decisão de afundar o próprio navio, em vez de se entregar.  

Isso mesmo. O Graf Spee se "suicidou", para não ser capturado pelos aliados. E, segundo alguns relatos históricos, quem ficou puto da vida com essa decisão foi o bigodinho lá em Berlin, que provavelmente preferia que o Graf Spee lutasse até o fim.

Depois de desembarcar a maior parte da tripulação, incluindo marinheiros ingleses que tinham sido capturados durante os ataques a navios mercantes, o capitão e alguns oficiais levaram o navio até o estuário do Rio da Prata. Os equipamentos mais importantes já tinham sido destruídos, para que ninguém espionasse a tecnologia alemã, e na noite do dia 18 de dezembro de 1939 os explosivos foram detonados, mandando o Graf Spee pelos ares.

Era o fim da Batalha do Rio da Prata e de um dos mais bem sucedidos navios de guerra alemães, que em poucos meses tinha conseguido afundar uma grande tonelagem de navios mercantes, mas que não suportou o combate contra os cruzadores ingleses, apesar de ter lutado bravamente em uma situação de inferioridade numérica. Por mais que possa parecer um final de história meio, digamos, "sem graça" e melancólico, com o Graf Spee sendo auto-afundado, a verdade é que o capitão Langsdorff buscou a saída menos traumática: afinal de contas, se o navio alemão partisse para o combate, certamente haveria mais vítimas de ambos os lados.

Vale até comentar que, dois dias depois, Langsdorff se suicidou no quarto do hospital onde se encontrava, trajando seu uniforme militar. Nunca saberemos se por arrependimento pelos seus atos, ou por não querer enfrentar a fúria do Führer se ele voltasse para a Alemanha...

Os restos do Graf Spee foram recuperados aos poucos, mesmo durante a guerra os ingleses conseguiram buscar o sistema de mira, para entender como que os alemães conseguiram disparos tão certeiros. Alguns restos do navio seguem lá até hoje. Um breve comentário é que recentemente foi recuperado um símbolo que ficava na popa (na parte de trás do navio) com a águia e a suástica nazistas, e que foi guardado a sete chaves em um armazém, para esconder o símbolo da ideologia extrema. Neste ano, um empresário argentino descendente de judeus quis comprar esse símbolo, com o objetivo de dinamitar a pôrra toda, mostrando como trata-se de um tema sensível... e mais interessante é como símbolos de regimes igualmente totalitários e desumanos, como o martelo e foice do comunismo, são tolerados de forma tão tranquila...

Enfim, não vamos trazer o tema de política aqui. Para fechar, creio que posso fazer um breve comentário sobre os destinos finais dos navios ingleses que participaram dessa batalha ferrenha, e até mesmo dos irmãos do Graf Spee.

Dos três navios ingleses que saíram na porrada contra o Graf Spee, apenas o Exeter teve destino semelhante, sendo afundado em março de 1942 pelos japoneses, na Batalha do Mar de Java. O Ajax e o Achilles sobreviveram à guerra, sendo que o primeiro foi desmontado logo depois do fim do conflito, enquanto que o segundo ainda serviu à marinha indiana, com o novo nome de Delhi, até ser desmontado na década de 70.

Algo muito curioso é que o Achilles fez o papel dele mesmo em um filme de 1956 que retratou a Batalha do Rio da Prata. O Cumberland também fez uma ponta como ele mesmo, enquanto que os cruzadores ingleses Sheffield e Jamaica, também veteranos da Segunda Guerra que ainda navegavam na época, representaram o Ajax e o Exeter respectivamente. Por fim, coube ao moderno cruzador americano Salem atuar como o Graf Spee.

Sobre os irmãos do Graf Spee, o Deutschland não foi tão bem sucedido em seus ataques aos comboios, e depois operou em algumas missões mal-sucedidas até ser afundado em águas rasas no porto por bombardeiros aliados. Algo curioso é que o Hitler mandou que seu nome fosse mudado para Lützow logo no início da guerra, pois não queria que um navio com o nome do país fosse afundado, temendo a péssima repercussão que isso poderia causar. Por sua vez, o Admiral Scheer "roubou" o troféu de navio mais bem-sucedido do Graf Spee, acumulando cerca de 110 mil toneladas de navios mercantes afundados. Mas ele não fez muito mais que isso, sendo também atacado por bombardeiros enquanto estava no porto e afundado. Ambos os navios foram recuperados e desmontados após o término da guerra.

Mas o Graf Spee certamente foi um dos mais famosos navios dessa classe, por conta de sua participação na Batalha do Rio da Prata, onde mesmo sendo mais forte que os adversários, ele perdeu graças a um ataque muito bem colocado que o deixou incapacitado. E que teve um curioso destino, como disse acima, um navio que se "suicidou" para não ser aprisionado pelos inimigos. 

Mais uma vez digo, sempre achei curioso e interessante saber sobre a biografia dessas embarcações que combateram no maior conflito armado, para ver as diversas histórias que foram vivenciadas por esses navios e suas tripulações. Embora eu saiba que ninguém deve se interessar por esse assunto aqui, certamente vou trazer mais postagens como essa. Como disse lá no início, pelo menos sei que eu vou curtir.

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