Navios de Guerra - O Tratado de Washington

Hora de outra postagem daquele tema que é de interesse de 0,00001% dos visitantes do site, mas que eu insisto em escrever por ser um assunto que eu gosto, como já expliquei um monte de vezes. Acho que vale para mudar um pouco o assunto, para fugir um pouco dos acontecimentos traumáticos do dia-a-dia e ter uma certa variedade de textos aqui no site, arrisco dizer que aqui é um dos lugares mais ecléticos e com as conversas mais diversificadas. Sei lá se isso é algo bom ou na prática afaste mais visitantes que nunca entendem de que esse blog tosco é... mas vamos em frente.

Venho para o assunto de navios de guerra, mas não para falar de alguma embarcação específica, mas sobre um assunto que já mencionei em diversas oportunidades: o Tratado de Washington de 1922.

E sim, esse é um pato com o penteado do George Washington, na falta de algo melhor.

Vamos começar com um pouco de história. Logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, observou-se uma corrida armamentista das nações mais poderosas da época e que contavam com esquadras de guerra de grande porte (especialmente a Grã-Bretanha, que havia derrotado os alemães). Além dos tomadores de chá, os Estados Unidos tinham um monte de navios, o Japão estava investindo bastante em renovar sua esquadra e ainda tinha Itália e França correndo por fora... que na verdade estavam esperando asumir alguns navios alemães após o final do conflito, mas ficaram chupando o dedo quando os chucrutes afundaram todos eles.

Vale comentar um pouco desse episódio. Depois do armistício, decidiu-se que a esquadra de superfície alemã deveria ficar de "quarentena" em um porto britânico, até que fosse decidido o que seria feito com os navios. O internato começou no final de 1918 e foi seguindo por vários meses, com alguns marinheiros alemães isolados dentro dos navios enquanto aguardavam o destino de suas embarcações. Italianos e franceses tinham o interesse de pegar alguns dos navios e incorporá-los às duas frotas (de graça, até injeção na testa), mas os britânicos preferiam que eles fossem destruídos, algo que provavelmente iria ser feito de acordo com o que seria decidido no Tratado de Versalhes, a ser assinado no final de junho de 1919. Mas, antes disso, o almirante alemão que era responsável pelos navios mandou que os marujos abrissem as válvulas e os afundassem, de forma que não ficassem com os inimigos.

Enfim, descartados os navios alemães que foram afundados propositalmente, as cinco nações vencedoras do conflito iniciaram uma certa corrida armamentista. Os Estados Unidos, por exemplo, tinham planos audaciosos para expandir a sua já grande esquadra, com a aprovação do investimento em quase 50 navios mais modernos, sendo que boa parte deles seriam navios de grande porte como encouraçados e cruzadores de batalha. Quem ficou "com inveja" foi o Japão, que respondeu com a criação do que ficou conhecido como o plano da "Frota 8-8", em que produziriam oito encouraçados e oito cruzadores de batalha, como eu contei em uma postagem recente. Da mesma forma, a Grã-Bretanha planejava expandir a sua esquadra, mesmo com a Alemanha desarmada, propondo quatro encouraçados e quatro cruzadores de batalha, sendo que um dos motivos obscuros era para estarem preparados caso os Estados Unidos provocassem uma guerra com eles (algo surpreendente, mas tinha gente que acreditava). 

Ou seja, todo mundo se armando com um monte de navios, e sabemos bem que isso não é barato. Com isso, em novembro de 1921, o governo americano chamou as outras quatro nações para se reunirem em Washington, e assim organizar um tratado para controlar os ânimos e limitar essa corrida armamentista que poderia não apenas incentivar um conflito, mas também acabar com a economia destes países.

Não vou entrar aqui nos detalhes da negociação política entre as nações, focarei mais nas questões práticas em como isso afetou os navios existentes e em construção. Mas vale comentar que não foi uma decisão fácil, com muitas idas e vindas entre as delegações envolvidas. Depois de 31 sessões (ou seja, bem menos que a CPI do circo), o tratado foi finalmente assinado em fevereiro de 1922, entrando em vigor em agosto do ano seguinte. Se quiser ver na íntegra, este link tem o documento inteiro, que serviu de principal referência para meu post.

Vou falar primeiro dos principais termos do tratado, e depois entrar em detalhes em como isso impactou cada nação, no que diz respeito a que navios foram interrompidos, cancelados e efetivamente construídos.

A primeira e talvez a mais decisiva das decisões é que todos os navios que estavam em construção deveriam ser interrompidos e desmontados. Além disso, seria instituído um período de dez anos no qual nenhum novo navio de grande porte poderia ser lançado, para dar uma parada na ansiedade da turma, que estava construindo navio que nem um bando de alucinados. Quem ficou mais puto com essa história foram os japoneses, que estavam com vários navios iniciados e que virariam sucata.

O tratado também estabeleceu algumas definições de categorias de navios e seus respectivos limites. Encouraçados e cruzadores de batalha representavam os navios de grande porte (capital ships, em inglês) e poderiam deslocar até 35 mil toneladas e carregar canhões de até 16 polegadas, equivalente a 406 milímetros. Navios menores, como cruzadores e destróieres, foram limitados a 10 mil toneladas de deslocamento e armamento de até 8 polegadas, ou seja, 203 milímetros. Qualquer navio acima desses limites não seria permitido e teria que ser cancelado ou desmontado.

Além disso, foram criadas diretivas para o novo tipo de embarcação que estava surgindo, os porta-aviões. Estes poderiam deslocar um limite de até 27 mil toneladas e, além dos aviões, poderiam contar com até dez canhões de 8 polegadas no máximo. Mas havia também algumas regrinhas especiais para esse tipo de navio. A começar que a definição de porta-aviões só valia para embarcações que tivessem mais de 10 mil toneladas, de forma que aqueles que estavam abaixo disso não contavam para a tonelagem total de cada nação. 

Alguns porta-aviões operando na época se enquadravam nessa condição, sendo considerados experimentais e assim ficaram "livres" do tratado. Era o caso do Hosho japonês (o primeiro do mundo construído como porta-aviões originalmente), o Langley americano e os britânicos Argus, Eagle, Furious e Hermes, este último aí abaixo.

Para completar, foi criada uma cláusula que permitia a cada nação escolher até dois navios que estavam em construção para que fossem convertidos em porta-aviões, para os quais seria permitido um limite de tonelagem maior, de 33 mil toneladas. Como veremos mais adiante, quase todos os países se aproveitaram dessa deixa.

Por fim, uma das principais questões estabelecidas foi o total de toneladas permitido para cada um dos países signatários, tanto para os navios de grande porte como para porta-aviões. A tabela abaixo mostra os limites para cada um dos países.

O que se observa é que foi mantida uma certa proporção entre cada uma das cinco nações, numa relação de 5:5:3:1,75:1,75 para Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão, França e Itália respectivamente. Americanos e britânicos foram permitidos a terem um volume maior por operarem em mais de um oceano (Atlântico e Pacífico), enquanto que italianos e franceses tinham a menor cota por atuarem em uma região menor, no Mediterrâneo. Mais uma vez, os japoneses não curtiram muito, pois eles teriam uma esquadra relativamente menor que os americanos, contra os quais imaginavam que poderiam entrar em guerra (como ocorreu).

Não apenas foi estabelecido um limite de tonelagem para cada país, mas também uma espécie de programa de desativação dos navios, de forma que ficassem incapacitados de combate. Ou seja, os navios poderiam ser desmontados e convertidos em sucata, ou também poderiam virar navios-alvo para prática de tiro. O prazo de validade seria de em torno de 20 anos, quando um navio mais velho poderia ser desativado e dar lugar a um novo, porém sempre respeitando os limites estabelecidos no tratado. Dessa forma, foram definidas as "agendas" para os cinco países, indicando quando que cada um dos navios existentes deveria ser desligado. Para Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão, esse programa era bem rigoroso e tentava controlar a quantidade de navios, sendo 15 para os americanos e britânicos e 9 para os japoneses (ou seja, seguindo a proporção de tonelagem), já indicando uma série de navios operacionais e em construção que deveriam ser desativados; para a Itália e França não foi estabelecido um limite de embarcações e tampouco uma lista para desativação imediata, eles poderiam construir quantas quisessem, desde que os demais limites de toneladas não fosse desrespeitado.

De novo, os japoneses ficaram putos ao ver a lista de navios que deveriam ser desativados logo de cara, nessa altura já devia ter gente imaginando que era racismo contra eles por serem orientais. Especialmente pelo fato encouraçado Mutsu estar na lista (como falei no post dele e do Nagato), que tinha acabado de ser lançado e contou inclusive com a contribuição de doações populares para ser construído. Ia ser uma grande sacanagem desmontar o navio que estava ainda com aquele perfume de novo.

Pois é, na falta de muitas fotos da época, vamos recorrer às meninas-navio do Kantai Collection e Azur Lane para preencher um pouco o espaço. Além disso, não poderia passar a oportunidade de colocar mais uma imagem da Mutsu do Kantai Collection. Pode me chamar de patético e babaca, eu não ligo.

Enfim, nesse caso os japoneses conseguiram uma certa "vitória" ao convencer os demais signatários a manter o Mutsu. Para compensar, os americanos incluíram dois encouraçados velhos na lista de desativados para assim permitir a construção de outros dois mais novos, e os ingleses fizeram algo parecido, se livrando de quatro navios para terem direito à construção de dois maiores. Estes navios adicionais seriam equivalentes ao Mutsu japonês em poder de fogo, mas sem afetar a tonelagem de maneira significativa.

Vamos ver então como cada país lidou com o tratado. 

A começar com os Estados Unidos, eles manteriam inicialmente 18 encouraçados, a grande maioria deles que estariam depois no ataque japonês de Pearl Harbor, além da classes Texas (cujo navio-título é museu até hoje), Wyoming e Florida, com dois navios cada. Com exceção dos dois navios da classe Florida, todos participaram da Segunda Guerra Mundial, embora alguns estavam bem velhos para contribuir de uma forma útil. Da lista inicial, os americanos se desfizeram do Delaware e North Dakota, que eram os navios mais velhos, para assim incluir dois navios maiores, tudo isso por conta da compensação devido ao Mutsu japonês.

Esses navios maiores seriam duas embarcações da classe Colorado, que previa quatro navios originalmente, sobre a qual é interessante comentar como que o destino afetou a ordem em que cada um foi lançado e acabou determinando o infeliz que foi desmontado. Pois o primeiro que foi lançado e entrou em serviço foi o Maryland, que na verdade era o segundo navio da classe, e que seria o único a ser mantido pelos termos iniciais do tratado. Mas os últimos ajustes no documento garantiram que tanto o Colorado e o West Virginia, primeiro e quarto navios da classe respectivamente e que foram lançados em 1921, fossem comissionados. Por sua vez, o Washington, terceiro navio da classe, sequer entrou em serviço e foi cancelado quando estava cerca de 75% completo (talvez por conta de algum atraso no estaleiro onde estava sendo construído). Seu destino foi virar alvo para outros navios.

Mas ele não foi o único. Os americanos já estavam construindo uma classe posterior com navios mais avançados, denominada South Dakota. A ideia seria que cada um deslocasse cerca de 43.000 toneladas (10 mil a mais que os Colorados), com 208 metros de comprimento e levando doze canhões de 16 polegadas em quatro torres triplas. Além disso, contavam com um design bem curioso de chaminés, onde os dois tubos se juntavam em um só, o que eu pessoalmente acho meio ridículo.

Seriam seis navios ao todo que começaram a ser construídos entre 1919 e 1920, mas foram suspensos com a assinatura do tratado, quando os mais avançados estavam cerca de 35% completos. Como eles passavam do limite de 35 mil toneladas, acabaram virando sucata e seus canhões foram montados em baterias de defesa costeira.

A outra classe que não existiu por conta do tratado seria a primeira de cruzadores de batalha americanos. Era uma resposta aos japoneses da classe Kongo, buscando navios de seriam mais rápidos do que um encouraçado típico, mas para isso prejudicando a blindagem e o armamento. Deslocando também 43 mil toneladas como o South Dakota acima, mas distribuídas em um casco mais longo de 266 metros e armados com oito canhões de 16 polegadas em quatro torres duplas, a classe Constitution também teria seis navios, que começaram a ser construídos entre 1920 e 1921. Mas também violavam os limites do Tratado de Washington, e assim os cruzadores de batalha não foram concluídos.

Mas dois deles tiveram um pouco mais de sorte. Por serem navios relativamente rápidos, eram propícios para serem convertidos em porta-aviões, como o tratado permitia. E assim dois deles viriam a ser transformados nos gigantescos Lexington e Saratoga, com sua chaminé gigante tosca. O primeiro afundou em combate e o segundo sobreviveu ao conflito, mas foi destruído nos testes atômicos realizados pelos americanos após o fim da guerra.

Vamos agora ver como que foi para a Grã-Bretanha, que na época tinha uma esquadra imensa com uma porrada de navios. De forma semelhante aos americanos, parte deles veio a operar na Segunda Guerra, incluindo os cinco navios da classe "R", os cinco da classe Queen Elizabeth e alguns cruzadores de batalha, além de alguns outros que foram desativados no período entre-guerras. Um ponto curioso a se observar é que eles foram autorizados a manter o cruzador de batalha Hood (que ficaria famoso ao ser dilacerado pelo Bismarck alguns anos depois), mesmo ele estando acima do limite de 35 mil toneladas do tratado. Sei lá qual foi a artimanha que eles usaram, mas o gigantesco cruzador de batalha conseguiu ser mantido.

O ajuste do tratado que manteve o Mutsu japonês permitiu também aos britânicos incluir mais navios, e a decisão deles foi por iniciar a construção de dois encouraçados mais modernos que viriam a substituir quatro mais velhos, assim que fossem terminados. Assim nasceram o Nelson e o Rodney, com seu visual peculiar em que todos os canhões de 16 polegadas eram localizados na parte frontal do navio.

A Grã-Bretanha também fez uso da regra do regulamento que dava direito a dois porta-aviões. Os britânicos já tinham uma certa experiência nesse tipo de conversão, e assim escolheram os dois velhos cruzadores de batalha Glorious e Courageous para transformá-los em porta-aviões. Ambos acabaram afundando anos mais tarde, no conflito contra os alemães.

Mas os tomadores de chá também tiveram navios que foram cancelados por conta do Tratado de Washington, embora eles sejam menos conhecidos já que não saíram do papel e sequer começaram a ser construídos. Algo que se percebe é que no final das contas eles apresentariam os mesmos traços dos encouraçados Rodney e Nelson, por posicionarem todo o armamento na proa de forma semelhante. Os cruzadores de batalha da classe G3 seriam navios de 260 metros e 48 mil toneladas, com nove canhões de 16 polegadas em três torres triplas, com quatro embarcações previstas. Igualzinho aos encouraçados que foram construídos, exceto pelo fato que a terceira torre ficava atrás da ponte de comando.

Por sua vez, os encouraçados da classe N3 eram praticamente iguais, com 250 metros e 48 mil toneladas também. Mas a grande diferença seria o armamento, composto por nove canhões de 18 polegadas (460 milímetros), em três torres triplas. Ou seja, não apenas seriam navios que violariam o limite de deslocamento, mas também o tamanho de armamento. Seriam quatro desses, que na época poderiam ser os navios mais poderosos do mundo. Nenhum desses navios chegou a ter um nome sugerido, embora vi na Internet que muita gente cita o nome St. Andrews para um desses grandes encouraçados que jamais foi construído.

Particularmente, essa terceira torre de ambas as classes me parece uma coisa muito inútil. Não apenas por deixar o navio sem poder de fogo considerável para atirar para trás, mas fico imaginando se tinha o risco dos canhões dispararem sem querer e explodir a chaminé ou a ponte de comando... 

Vamos agora para falar da nação que ficou mais enfezada com o tratado, o Japão. Tanto que alguns japoneses enxergaram isso como uma forma de preconceito contra orientais, como se americanos e britânicos os considerassem como uma raça inferior e assim mereciam menos benefícios. Alguns de seus navios mais antigos seriam desmontados, incluindo alguns que foram autorizados a serem desmilitarizados, e foi necessário um forte convencimento para que o veterano Mikasa, que havia combatido na guerra russo-japonesa, fosse preservado como um museu, que existe até os dias de hoje.

Assim, os japoneses ficariam apenas com os quatro cruzadores de batalha da classe Kongo, os dois encouraçados da classe Fuso, mais dois da classe Ise e os dois da classe Nagato, incluindo o Mutsu que quase foi vetado pelo tratado, mesmo tendo acabado de ser terminado. Um porrilhão de navios que estavam em construção ou planejados, que viriam a compor a tal Frota 8-8, foram interrompidos por conta de tudo isso. A começar com os dois encouraçados da classe Tosa e os quatro cruzadores de batalha da classe Amagi, que já havia sido lançados. Acredito que não preciso falar muito deles, pois eles já foram mencionados nesta postagem em que falei dos porta-aviões Akagi e Kaga, os dois que foram selecionados para conversão de acordo com o previsto no Tratado de Washington.

Para aqueles com preguiça de olhar o post antigo, o plano original era que os cruzadores de batalha Akagi e Amagi fossem convertidos em porta-aviões. Mas um terremoto danificou este último de forma crítica, perda total mesmo. Como os outros dois cruzadores de batalha (que se chamariam Atago e Takao) já tinham sido desmontados a esta altura do campeonato, o Kaga foi escolhido para ser convertido em porta-aviões.

Mas havia muitos outros projetos que os japoneses queriam implementar. A começar com quatro cruzadores de batalha da classe Kii, que seriam versões melhoradas da classe Amagi, com 250 metros de comprimento, deslocando 42 mil toneladas e armados com dez canhões de 16 polegadas em cinco torres duplas. O Kii e o Owari chegaram a ter sua construção iniciada no final de 1921, mas ambos foram suspensos alguns meses após a assinatura do tratado.

E os japoneses também estavam planejando uma classe de quatro encouraçados rápidos e fortemente armados para acompanhar, mas estes sequer começaram a ser construídos. Os navios denominados de No.13 a No.16 teriam 274 metros de comprimento e deslocamento de 47 mil toneladas. O grande destaque ficaria por conta do armamento, com oito canhões de 18 polegadas em quatro torres duplas. Ou seja, era quase como um pré-Yamato, mas que não saiu do papel.

Falta falar da Itália e da França, que eram nações com esquadras de menor porte e que tinham uma certa condição diferenciada por conta do Tratado de Washington. A começar que não foram obrigados a se desfazer de nenhum navio que tinham no momento, visto que tinham poucas embarcações. Além disso, eles não teriam um limite de navios a ser respeitado, podendo construir quanto quisessem dentro das demais restrições. 

Os franceses mantiveram os três encouraçados da classe Bretagne e os quatro da classe Coubert, que chegaram a participar da Segunda Guerra, embora fossem navios bem velhos e que não fizeram muita coisa. Além deles, foram mantidos os três velhos Voltaire, Diderot e Condorcet, construídos no início do século e que foram desativados nos anos 30. Com um visual bem diferente com cinco chaminés, o Condorcet ainda chegou a estar no conflito seguinte, mas como um mero navio de treinamento que foi afundado pelos alemães.

A França foi outra nação que, de certa forma, também fez uso da regra de conversão para porta-aviões. O Béarn era para ser um dos encouraçados da classe Normandie, que nunca chegou a ser concluída já que o governo preferiu investir mais no exército durante a Primeira Guerra. Quando finalmente se decidiu que os navios seriam desmontados, o Béarn acabou sendo escolhido para a conversão, já que era aquele que estava mais atrasado e assim precisaria de menos mudanças para virar um porta-aviões. 

Em relação à Itália, foram mantidos vários navios que estavam em operação. Os mais conhecidos eram os dois da classe Andrea Doria e os três da Conte di Cavour, que viriam a participar da Segunda Guerra depois de serem modernizados, com exceção do Leonardo da Vinci, terceiro navio da classe Cavour que havia explodido em um acidente em 1919 mas foi recuperado alguns anos depois. Além deles, quatro velhos encouraçados da classe Regina Elena e o mais recente Dante Alighieri foram mantidos, mas por pouco tempo, virando sucata antes da década de 30.

Os italianos foram os únicos que não criaram porta-aviões a partir de navios existentes, embora houvesse a ideia de converter o caso do encouraçado Francesco Caracciolo para tal objetivo. Este era um encouraçado que estava em construção e seria o sucessor da classe Andrea Doria, mas a crise econômica no país impediu que investissem mais tempo e dinheiro nele naquele momento, e foi mais um que virou sucata.

E assim os cinco países lidaram com o Tratado de Washington, tentando fazer dos limões uma boa limonada e se virar dentro dos limites impostos até o final de seu prazo, em dezembro de 1936. Vale ressaltar que alguns outros tratados vieram a ser assinados nos anos seguintes, mas sem grandes variações. Talvez o que mereça mais atenção foi o acordo assinado entre britânicos e alemães, que permitia que a Alemanha tivesse uma esquadra com até 35% da tonelagem da Grã-Bretanha.

Bom... mas a verdade é que todas as regras são criadas para serem desrespeitadas um dia... E não demorou para que alguns dos países começassem a dar um "jeitinho" para burlar as restrições impostas pelo Tratado de Washington. 

Por exemplo, os italianos construíram cruzadores que supostamente tinham exatamente 10 mil toneladas, no limite máximo permitido, mas que na prática passavam do que era autorizado. E logo eles começaram a construção de encouraçados de mais de 40 mil toneladas, da classe Littorio, não apenas estourando o limite do país mas também o máximo permitido para um navio. Logo depois a França começou a construir o seu encouraçado, teoricamente no limite de 35 mil toneladas (mas apenas no papel), e que também estourava a quantidade máximas de toneladas de navios de guerra que a França tinha direito. E os alemães foram os próximos, iniciando a construção do Bismarck que passava das 40 mil toneladas.

Aí já não tinha mais jeito, considerando que o ano de 1936 estava chegando ao fim, e assim marcando o término da validade desse acordo. Nesse momento, todo mundo passou a cagar para os limites de tonelagem e armamento. E quem escorraçou qualquer mimimi de "limite de tonelagem" foram os japoneses, lançando o Yamato. Ou, em outras palavras, um verdadeiro "dedo médio" para os limites do tratado, deslocando mais de 70 mil toneladas (ou seja, o dobro de um encouraçado do tratado) e ostentando seus canhões de 18 polegadas, os maiores já usados em um navio de guerra.

Isso sem falar no surgimento de projetos audaciosos, alguns que começaram a ser pensados logo no início da Segunda Guerra, especialmente por parte dos alemães e americanos. Acontece que não demorou para se perceber que a era dos grandes encouraçados já havia passado, dando lugar aos porta-aviões, muito mais versáteis e eficientes. 

Fico às vezes pensando em como são as coisas, como que temos momentos decisivos que determinaram o curso da História em uma determinada direção, muitas vezes completamente diferente do que era previsto. Se não fosse a invenção do avião no início do século XX, os conflitos navais seriam disputados de uma forma totalmente diferente, talvez recorrendo novamente aos navios com armamentos de grosso calibre. E talvez com embarcações ainda maiores, se não fosse o Tratado de Washington, que impediu o surgimento destes monstros que as nações planejavam lançar aos mares, como os que vimos nesta postagem e na ilustração abaixo (que tirei daqui).

E assim encerro a postagem de hoje, sobre esse assunto que sei que muitos não curtem, mas eu pessoalmente acho muito interessante. Talvez eu volte a escrever algo parecido, mas dessa vez sobre os navios que só existiram nas mesas de projeto, mas que nunca nasceram por conta do andamento do conflito. Mas prometo que a próxima postagem será de um assunto que agrade a mais pessoas.

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