Verborragia corporativa

Tem horas que eu quero escrever sobre algo que eu percebo em minha vida, seja em âmbito pessoal como profissional. Mas tenho o costume de não entrar muito nos detalhes por questões de privacidade, tanto de minha parte como de terceiros. Podem me criticar por isso, mas é assim que as coisas funcionam em meu site. Só que tem horas que não resisto, especialmente quando observo algo que não acontece somente comigo. Depois de conversar com alguns amigos, vi que eu não sou o único que acha ridículo como que o vocabulário corporativo nas mais diversas empresas tem ficado cada vez mais escroto e engraçado.

Não importa em qual área empresarial, percebo tanto em meu trabalho e nos comentários de amigos e conhecidos que o mundo corporativo tem mudado muito nos últimos anos, muito disso levando em conta as questões atuais como o politicamente correto e a política ESG. Aí vemos como certas coisas começaram a serem feitas, quebrando o paradigma da vida laboral com o qual estávamos acostumados. Essas mudanças atingem diversas questões: por exemplo, as políticas de vestimenta se tornaram mais flexíveis, com o propósito de incentivar a individualidade; os espaços de trabalho mudaram, priorizando ambientes abertos onde todos ficam em um mesmo lugar (embora o chefe ainda tenha a sua sala) ou mesmo com os locais de co-working, em que diversas empresas ficam juntas; políticas de bem-estar e atividades de integração se tornaram mais presentes, buscando um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e humanizando as relações trabalhistas... enfim, quem já tem uma certa idade e ainda trabalha certamente percebeu como que muita coisa mudou.

Mas as mudanças nem sempre são positivas, isso é inquestionável. Tipo, a liberação total de vestimentas faz com que certos lugares pareçam um desfile de carnaval, eliminando qualquer impressão de profissionalismo; trabalhar em um salão com todo mundo junto é insuportável, com o zumzumzum de dezenas de bocas falando, especialmente quando tem aqueles com voz de auto-falante; muitas atividades de integração são coisas sem graça e forçadas, em que alguma rhzete sempre inventa alguma coisa que só na cabeça dela é legal e todo mundo é forçado a participar...

Eu sei, você vai dizer que eu sou muito pessimista e negativista. Já estou acostumado com isso, não tem problema. Mas ao menos sou autêntico em dizer que algo me incomoda ou se acho uma merda sem noção.

E talvez não tenha nada que eu ache mais escroto que o atual vocabulário corporativo. Eu me divirto ao ver como muita gente, geralmente em cargos de liderança (ou que almejam um), gosta de usar expressões manjadas e boçais, que alguém leu na contra-capa de livro de negócios. É muito engraçado.

O que eu acho mais hilário mesmo são as expressões em inglês. A impressão que dá é que são expressões que algum coach qualquer lá dos EUA inventou e colocou em seu mais recente livro, e aí todo mundo acha um barato e começa a copiar. Na minha opinião isso é uma demonstração de como a maioria das pessoas é facilmente manipulada, alterando seu vocabulário só porque alguém inventou uma expressão e decidiu que todo mundo tem que usá-la. E o fato dessas expressões serem usadas em inglês por aqui torna tudo isso ainda mais ridículo, pois na maioria das vezes existem palavras em nosso idioma que já são usadas desde sempre para representar algo... mas a turminha de escritório decide usar uma expressão em inglês só para aparecer.

Um breve parênteses: não pense que eu estou agindo como aqueles babacas do finado MV-Brasil, aqueles boçais que espalhavam cartazes com os antológicos "Halloween é o cacete". 

Diferente desses acéfalos radicais, motivados por questões ideológicas e anti-americanismo insensato disfarçado de patriotismo, eu não tenho nada contra o uso de palavras em inglês na comunicação. Afinal de contas, o mundo atual tem uma grande influência do inglês, especialmente no campo da tecnologia, e assim é natural que certas palavras acabem sendo incorporadas em nosso dia-a-dia. Tipo, todo mundo fala "e-mail", não tem necessidade de falar "correio eletrônico" como defendiam os lunáticos do MV-Brasil. 

Não se trata disso que estou falando, me refiro ao uso corporativo de palavras e expressões que não fazem o menor sentido, que só são usadas porque alguém decidiu que elas devem ser faladas. Vamos ver algumas delas.

Algo que eu acho engraçado é o uso das siglas para se referir aos cargos de direção, com suas respectivas denominações. Você provavelmente já deve ter escutado muito usarem o CEO, sigla para Chief Executive Officer, que é destinado ao cargo de máxima autoridade na empresa, ao chefão, ao manda-chuva. 

Só que aí outros cargos de gerência das empresas devem ter ficado com inveja, e aí começaram a inventar siglas parecidas para os mais diversos departamentos: tem agora o CFO da área de finanças, CMO para marketing, CTO para a área técnica, CIO no departamento de tecnologia de informação e por aí vai. Afinal de contas, para aqueles que gostam de ter seu ego massageado, fica mais "legal" que seu cargo seja uma sigla em inglês do que meramente ser chamado de "chefe" ou "diretor"...

Mas tem outra coisa típica do mundo corporativo que está repleta de jargões e palavrinhas de efeito... as famigeradas reuniões.

Se você trabalha, posso apostar que a grande maioria das reuniões que são feitas são extremamente inúteis. Juntar um monte de gente da empresa em uma sala ou video-conferência é sempre algo chato pra caramba, especialmente quando temos os "eventos" constantes. Tipo, a demora para começar pois nem todo mundo se conectou, as apresentações intermináveis e pouco explicativas, a rodada de opinião onde cada um sentado à mesa deve falar algo e a sempre frequente demora em terminar, muitas vezes invadindo o horário de almoço ou até mesmo quando são as reuniões "urgentes" marcadas para cinco da tarde... 

Isso para citar alguns exemplos das reuniões, tão constantes em todos os empregos.

E justamente por isso é que existe um extenso vocabulário corporativo que é tipicamente usado para as reuniões, não tem melhor oportunidade para aparecer. Começa com o agendamento, onde é cada vez mais comum o escroto "save the date", que é basicamente o agendamento da reunião. Em vez de simplesmente colocar um título, preferencialmente relativo ao assunto que será tratado, nós temos que apenas "salvar a data" em nosso calendário e não marcar mais nada ali. 

Isso é muito comum quando se trata de uma reunião geral com todos os funcionários, geralmente para apresentar resultados, falar do planejamento ou mesmo para explicar algo que aconteceu na empresa. O que sempre se chamou de "reunião geral", ou apenas "reunião" mesmo. Até que alguém decidiu que seria mais impactante chamá-la de "all hands call". Deve ser alguma referência a quando um grupo decide combinar algo e todo mundo coloca as mãos juntas no meio da rodinha, para demonstrar união...

Sabe como é, né? Tipo quando os Goonies iam caçar o tesouro, quando os Protetores iam chamar o Capitão Planeta ou coisa parecida... 

Não faltam termos que são usados na reunião, palavrinhas-chave que precisam ser usadas. Cansei de contar quantas vezes escutei expressões como "vamos fazer um brainstorm", "temos que aumentar a sinergia", "essa é uma solução disruptiva", "colocar na nuvem", "pensar fora da caixinha", "é hora de romper paradigmas", "tem que sair da zona de conforto", "lições aprendidas", "estamos na mesma página" e tantas outras pérolas. Claro que algumas ditas em suas versões em inglês, como "think out of the box" e "lessons learned", em uma tentativa lamentável de parecer sofisticado, como se falar em língua estrangeira fosse sinal de sofisticação.

E geralmente as reuniões terminam com os próximos passos ou atividades atribuídas. Mas claro que tem uma expressão reservada para esse momento, que é o "call to action", para passar aquela ideia de que são ações importantes que devem ser feitas... e que provavelmente serão revistas na reunião da semana seguinte.

Isso me faz pensar como que o ambiente corporativo tenta trazer certas expressões que tentam trazer um sentimento de que a vida no escritório é algo repleto de adrenalina e empolgação. Vide o próprio "call to action", quando você o escuta, é passada uma ideia de movimento, de velocidade, não acha? Quando na maioria das vezes a "ação que é chamada" é apenas mandar uma mala-direta de email ou montar um PowerPoint. Coisas que não são nem um pouco empolgantes.

Na verdade entendo que isso seja proposital, pois muita gente sabe que as palavras têm um efeito muito grande nas pessoas. É comum que os mais ignorantes se deixem levar muito mais pelo sentimento e sensação por trás de uma expressão do que pelo seu real significado... sinceramente, mesmo que o significado não tenha nada a ver com aquela coisa que está sendo chamada, diria até que isso pode ocorrer até mesmo quando essa expressão não signifique pôrra nenhuma. Vale mais a percepção de importância que aquela palavra oferece, dane-se o significado. Por exemplo, para citar mais uma expressão corporativa largamente usada, a famosa "força-tarefa".

Essas palavrinhas, sempre presentes na boca dos chefes das empresas, na verdade tem significado militar. O termo "task force" começou a ser usado pela marinha americana na Segunda Guerra Mundial para representar uma unidade naval montada temporariamente para executar uma determinada missão. Depois o termo até se popularizou para outras áreas militares e é usado até hoje, mas sempre mantendo a mesma proposta, de indicar uma força armada construída para cumprir uma missão de ataque ou defesa. 

Ou seja, é claramente uma expressão que é destinada para o uso militar, que é para ser usada nos quartéis e na caserna.

Aí apareceu algum babaca que decidiu que esse termo seria legal de ser usado no mundo corporativo... Com isso, começaram a surgir as "forças tarefa" de escritório, para fazer coisas extremamente importantes como ligar em massa para clientes ou para organizar papéis... O que não tem chongas a ver com o significado militar original. 

Mas essa é mesma a intenção, em nenhum momento usam o "força tarefa" pensando em seu real significado, mas sim na sensação de importância e de poder que está associada a essa expressão. Tudo para enaltecer uma determinada atividade corporativa e corriqueira.

Se bem que tem horas que as palavras sofisticadas e diferentes são usadas não para criar uma percepção super-positiva e empolgante de algo sem graça, mas para esconder a severidade ou má sensação de certas coisas nada agradáveis, tanto para seus próprios funcionários como para o mercado. Falando em bom português, algo como "dourar a pílula", para reduzir a atenção sobre os efeitos negativos de uma decisão ou ação. E o mais engraçado de tudo é que isso feito juntamente com toda uma descrição bonitinha e elaborada, como forma de justificar esse "remédio amargo", chegando ao ponto de transformá-lo em algo sensacional.

Dou um exemplo muito comum no ambiente corporativo, que é o "downsizing", descrito como um conjunto de técnicas administrativas a serem adotadas por uma empresa, objetivando a redução de custos, eliminação de processos que sejam desnecessários e aumento da eficiência e lucratividade. 

Bonito, não? Na prática, "downsizing" está sempre associado à demissão (muitas vezes em massa) de funcionários.

Aliás, essa demissão de muitos funcionários, que tipicamente faz parte do "downsizing", também tem sua palavrinha sofisticada em inglês. Os moderninhos de gravata e rhzetes preferem usar o "layoff", que soa menos severo, como se fosse algo sem muito problema.

Sou muito mais o popular "passaralho", que já usamos há anos quando demitem uma galera.

Enfim, claro que a demissão é algo que faz parte da vida corporativa, e em algumas situações ela é realmente necessária e justificada. Tipo, se um funcionário faz algo grave que justifica uma justa-causa ou se ele apresenta um rendimento muito abaixo do esperado. Só que ultimamente os caciques das corporações normalizaram muito as movimentações de pessoal, focando apenas na lucratividade e eficiência. Claro que empresa nenhuma sobrevive se não for lucrar ou se não for eficiente; mas é necessário entender que existem altos e baixos em qualquer ramo empresarial, e certas decisões radicais como cortar funcionários acabam causando problemas para os que ficam. Afinal de contas, o "downsizing" jamais vai ser aplicado nas metas, mas apenas nos recursos necessários para cumpri-las.

Nessas horas cabe até outra expressão muito usada pelas empresas: o "fazer mais com menos"...

Eu acho essa expressão "sensacional". Pois acho muito interessante como que gerentes e diretores, que não metem a mão na massa e só sabem dar ordens, acham que não há limite para o "fazer mais com menos". É como se as equipes estão sempre com baixa eficiência, e aí a solução é manter a demanda mas demitir algumas pessoas ou manter as pessoas mas aumentar a demanda. De um jeito ou de outro, a "demanda per capita" aumenta, e o pobre funcionário precisa fazer tudo de forma mais rápida. Embora buscar a eficiência seja um objetivo que todos devemos almejar profissionalmente, há limites para isso. 

Claro que existe a opção do remanejamento do funcionário para uma outra área em que ele possa ser útil. Embora isso aconteça em raras ocasiões para não despachar um colaborador da empresa, na maioria das vezes isso é feito de forma premeditada pela empresa, que acredita que ele poderá contribuir mais em outro setor. Hora de mais uma expressão corporativa o "job rotation", que soa melhor do que simplesmente remanejar. Lógico que em muitas ocasiões esse remanejamento é feito contra a vontade do sujeito, e nessas horas é comum que o RH recorra ao já manjado "sair da zona de conforto". Claro que isso só vale para o funcionário, empresa nenhuma vai querer se auto-colocar em uma condição desconfortável, afinal de contas todo mundo curte conforto... mas alguns parece que não tem direito a isso.

E não faltam exemplos de outras siglas e expressões... como o ASAP no lugar do "o quanto antes", follow-up substituindo resposta, back-office em vez de área-meio, forecast em vez de previsão e assim por diante...

Enfim, o que não faltam exemplos no vasto vocabulário empresarial de hoje em dia... São tantas palavras sofisticadas e de impacto que chegamos ao ponto que é mais importante ter um discurso repleto de jargão corporativo do que dizer algo de fato. Em um mundo onde as aparências contam mais do que tudo, o que não falta é gente querendo parecer inteligente e bem-sucedido quando na verdade não passam de papagaios que falam um monte de baboseira sem sentido.

Bom, por hoje chega. Hora de ir dormir pois amanhã é dia de labuta. E com reunião logo cedinho... Fico só imaginando quais serão as palavrinhas de efeito que vão dizer...

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