O caso da capivara

De vez em quando temos aquele "causo" que ganha uma certa repercussão na mídia. Às vezes pelos motivos errados, especialmente hoje em dia quando há uma grande valorização da insignificância, em que qualquer bobagem vira manchete. Mas tem aqueles momentos onde vemos algum acontecimento que nos faz pensar, especialmente quando é algo meio inusitado. E isso aconteceu comigo, com essa história do sujeito e sua capivara de estimação.

Vi isso nas redes sociais, um carinha chamado Agenor lá do Amazonas que começou a ficar famoso na Internet por postar vídeos seus com uma capivara, que ele havia resgatado e que vivia em sua fazenda, batizada por ele de Filó. Tipo, os dois comendo capim, nadando no rio e passeando, posando para fotos e vídeos. Como brasileiro curte alguma coisa diferente quando está deslizando o dedo pela tela de seu celular, logo Filó e seu amigo começaram a ganhar algumas curtidas, viralizando na Internet.

Só que não demorou para aparecerem denúncias, sabe-se lá de onde. Deduraram pro IBAMA, acusando o rapaz de maus tratos e exploração de animais, e exigindo alguma ação para "salvar" a criatura. Resultado: multa de R$17 mil e a capivara foi confiscada pelo órgão nesta sexta-feira.

Embora o sujeito tenha recebido o apoio e a solidariedade de muitas pessoas, as críticas foram bem contundentes e severas, por parte da "velha" mídia e por certas "celebridades", como a tal da Luisa Mell, aquela que se apresenta como defensora dos animais. Muito se fala que ela teria sido uma das pessoas que pressionou o IBAMA, especialmente depois dela ter compartilhado um vídeo do fazendeiro em um rodeio, a partir do qual ela direcionou várias críticas contra ele, questionando qual o tratamento que ele tinha de fato pela capivara.

Após o animal ser recolhido, ela postou outro vídeo, defendendo a conclusão do episódio. Até deu uma "aliviada", dizendo que até cogitaria que a Filó continuasse com Agenor, mas apenas se fosse comprovado que ele fosse capaz de cuidar dela (fácil dizer isso, depois que o bicho foi apreendido). Mas condenando veementemente os vídeos postados, dizendo que "animal silvestre não é pet".

Bom, sem dúvida é um caso bem peculiar... e vão aqui meus dois centavos sobre o assunto.

Pessoalmente, eu fico meio enojado em como que é a nossa sociedade. Especialmente no aspecto de procurar pêlo em ovo, de problematizar situações que não têm toda essa criticidade. Isso fica evidente ao ver a velocidade e o empenho do IBAMA em punir o fazendeiro e "resgatar" a capivara dele. Assim, entre aspas, pois não vejo que ele a estivesse tratando mal. Acho que tem coisas muito mais importantes que os órgãos governamentais, como o IBAMA, deveriam estar fazendo. 

Claro que apareceram (e talvez apareçam aqui) pessoas dizendo que o carinha estava errado, chamando-o de oportunista ao usar essa história para aparecer, repetindo o mantra que foi proclamado pela Luisa Mell e pelo IBAMA que "animal silvestre não é pet". Aliás, acho muito escrota essa forma de chamar os animais de estimação de "pet"...

Mas eu não penso que tal crítica seja válida, de dizer que o sujeito estava explorando a capivara pra bombar nas redes sociais. Por dois motivos principais, a começar pelo fato que tal caso só veio a ganhar uma repercussão mais efetiva agora, após a reação da Luisa Mell e o desfecho da história, com a apreensão do animal. Não diria que Agenor e Filó "viralizaram" tanto assim, quando muita gente só conheceu a relação de amizade entre eles quando a capivara já estava nas mãos do IBAMA. Claro que tem muita coisa que é mostrada na internet, mas certamente essa trama não estava entre as dez mais comentadas.

Embora não duvide que sim, Agenor certamente vai capitalizar com esse episódio (se já não o está fazendo). Mas não vejo que isso seja um crime, que seja algo condenável. Afinal de contas, tá cheio de exemplo de "celebridades" que apareceram por conta de algum pequeno ocorrido e apareceram com seus quinze minutos de fama. Vide a Geisy Arruda e o vestido que a fez ser expulsa da sala de aula, o tal do Luva de Pedreiro e seus lances de várzea e tantos outros... 

E o segundo motivo é a hipocrisia dessa gente. Pôrra, vivemos em um momento em que a imensa maioria das pessoas posta qualquer coisa nas suas redes sociais. Tiram foto do prato do restaurante, posam na frente do espelho do banheiro de academia, compartilham a reunião dos amigos no churrasco, o que mais tem é isso. Inclusive tá cheio de exemplos aí de vídeos e fotos com animais, desde os memes com um gato fazendo alguma traquinagem ou a manjada foto do cachorro depois de tomar banho no pet shop. Nessa hora ninguém fala em exploração, ninguém fala de estarem usando animais para ganhar likes. Por algum motivo, traçaram uma linha a partir do momento que é um fazendeiro mostrando a vida que tinha com sua capivara.

Aliás, postura hipócrita foi mesmo dessa Luisa Mell. Embora eu ache muito válido que tenham pessoas que se dediquem a defender os direitos dos animais, eu sempre segui a premissa de que se você tem um determinado valor que é caro para você, essa postura deve valer sempre, e não apenas nos momentos em que é mais conveniente. Como foi o caso da apresentadora e "celebridade".

Afinal de contas, eu não encontrei nenhuma declaração da Luisa Mell a respeito do abatimento de vinte capivaras que estavam em um parque de Campinas. Podem até usar a justificativa de que elas estavam transmitindo doenças, mas no meu entendimento uma pessoa que se mobiliza para "salvar" uma capivara que estava em uma fazenda, nadando no rio e posando para vídeos, certamente iria pelo menos se pronunciar sobre o abate de vinte animais semelhantes, não é mesmo?

Tampouco vi manifestações da Luisa Mell diante das ações dos criminosos do MST. Agora mesmo, neste mês que eles denominam como "abril vermelho" quando promovem invasões em série, eles invadiram até mesmo uma área da Embraba, colocando animais ameaçados de extinção em risco. Isso sem falar no seu vasto histórico de crimes, onde normalmente matam animais das fazendas. E matam por maldade mesmo, pra protestar e chocar, como forma de afrontar o agronegócio e pedir a reforma agrária. 

E é curioso como que, depois de episódios como esse, nunca vemos uma reação da Luisa Mell... Ela aparece para condenar o cara que tem uma capivara de estimação, se mobiliza para proteger animais que sofrem de maus tratos, até chegou a condenar o consumo de peru na ceia de Natal (dizendo que as pessoas celebram com morte)... mas não vemos ela condenando a execução sumária e covarde de animais em fazendas pelo MST, por que será?

Ah... tá explicado

Antes que venham dizer que eu estou usando o episódio da capivara para falar de política ou mesmo para "atacar" a Luisa Mell (afinal de contas, hoje em dia qualquer crítica contra as pessoas que estão do lado ideologicamente "certo" é definida como "ataque"), trata-se apenas de uma constatação dos fatos. Pois sabemos muito bem que normalmente as pessoas que se declaram como de esquerda são aquelas que demonstram os maiores níveis de hipocrisia. Sobram exemplos de sinalizadores de virtude, que dizem apoiar causas nobres, como a defesa pelos direitos dos animais, porém que ficam em silêncio quando é para criticar alguém que está do mesmo lado político. 

Costumo sempre dizer que a política é algo pequeno, que existem muitas coisas que são bem mais importantes. Como é o próprio caso da defesa dos animais. Sabemos muito bem que existe no Brasil uma máfia que promove o comércio ilegal de animais silvestres, não faltam casos de bandidos que tentam traficar pássaros e outros animais para o exterior. E quase sempre esse transporte dos animais é feito de forma extremamente vil, submetendo os pobres bichinhos a condições desumanas, muitas vezes levando um grande volume de criaturas já prevendo uma "perda" devido ao transporte clandestino. Esse tipo de prática deve ser combatida, e é muito nobre quando alguém se dedique contra isso.

Mas essa virtude vai embora a partir do momento em que se releva outros crimes equivalentes. Ora, para mim é muito claro que um contrabandista de animais silvestres é tão criminoso como um bando de sem-terra que mata vacas a sangue-frio apenas para protestar...

Quem é um verdadeiro defensor dos animais vai se revoltar com uma cena dessas, onde dezenas de vacas (algumas delas prenhas) e bezerros foram executados pelos sem-terra. Agora, quem é movido por ideologia política vai preferir o silêncio, talvez até venha com o manjado "veja bem" para arrumar uma justificativa para não condenar um movimento que é aliado político. 

Especialmente no caso de Luisa Mell, que é reconhecida como uma autoridade na defesa dos animais. É perceptível como ela goza de uma credibilidade em relação a este tema, se ela falar que alguém está maltratando os animais, as pessoas vão acreditar e condenar esse alguém. E é isso que me faz pensar sobre sua postura de silêncio diante de crimes como esses acima. Afinal de contas, se ela condenasse as ações do MST por conta da execução de animais, isso certamente iria manchar a imagem da organização, que é uma das principais aliadas do PT e da esquerda em geral. Esteja ela agindo assim sem perceber ou de forma intencional (ciente de que ela poderia prejudicar um aliado de sua escolha política), no mínimo demonstra uma postura hipócrita.   

E tem outra coisa que me enojou na postura de Luisa Mell que foi o assassinato de reputação contra o fazendeiro. O tweet dela, que eu reproduzi acima, mostra o modus-operandi daqueles que vestem a capa de sinalizadores de virtude, como as agências de "xerecagem" e os politicamente corretos de plantão. Repito, até então a amizade entre Agenor e a capivara Filó não tinha toda essa repercussão, não era assunto que estivesse em destaque nas redes sociais. Aí, quando aparece uma pessoa famosa como a Luisa Mell, que tem 100 mil seguidores do Twitter e 4 milhões no Instagram, falando do episódio dessa forma e transformando o rapaz em um monstro, aí é que a história se espalhou. E como ela tem um maior engajamento nas redes social, aliado ao fato dela ser reconhecida como defensora da causa animal, acaba sendo natural que muitas pessoas venham a seguir a opinião dela, sendo influenciadas pelo vídeo onde ela demoniza Agenor. É assim que ocorre o assassinato de reputações pela internet, onde o mais influente tem a vantagem do maior número de apoiadores, contribuindo para desqualificar seu adversário.

Tudo isso usando um vídeo antigo. É assim que funciona hoje em dia, é a forma como as verdadeiras milícias digitais agem para assassinar reputações de seus desafetos, tentando resgatar qualquer coisa que possa ser usada para manchar a sua imagem. Essa foi a clara intenção de Luisa Mell ao fazer o seu primeiro tweet, transformar Agenor em um bandido. Não foram poucas pessoas que, mesmo vendo os vídeos onde ele não faz nada de mais com a capivara, mudaram de opinião depois que Luisa Mell expôs esse "podre", fazendo um juízo de valor a respeito do fazendeiro sem dar-lhe a oportunidade de se defender (como ele fez depois). Acho até interessante como ela declara "não ousem chamar ele de protetor de animais", me pergunto se ela se considera uma defensora dos animais quando não deu um pio a respeito dos casos que citei acima.

E tem mais: se vale então essa percepção de que o passado condena e não perdoa... acho que as pessoas que têm teto de vidro precisam pensar duas vezes antes de apontar o dedo para os outros.

Podem falar o que for ao meu respeito, podem me xingar e dizendo que eu estou sendo escroto ao mencionar esse episódio. Mas faço isso apenas para mostrar que buscar por erros e falhas no passado pode ser feito contra qualquer um. A partir do momento em que ela acha válido puxar um vídeo antigo do Agenor e usar isso para fazer um pré-julgamento a respeito de sua índole, isso permite que façam o mesmo com ela. 

Pessoalmente, acho que não tem nada a ver essa chafurdar o passado para descobrir algo comprometedor. Pois o passado está no passado, e muitas vezes são coisas que a pessoa se arrepende, pelas as quais ela já pagou sua punição. Tais falhas pontuais não podem ser vistas como manchas permanentes na vida do indivíduo, que vão determinar quem ele é hoje e será no futuro. Da mesma forma que o Agenor se arrepende e não concorde mais com o que fez no rodeio, é válido que a Luisa Mell lamente o acidente pelo o qual ela passou. Agora, o que não pode é defender a ideia que o passado possa condenar uns, mas não outros.

Enfim, digo mais uma vez que esse episódio da capivara demonstrou uma reação muito hipócrita e desproporcional, especialmente por parte daqueles que dizem defenderem os animais e o meio ambiente. Tem tantos casos piores, de gente que realmente maltrata os bichos, e que passam impunes, e quem foi crucificado foi um mero influencer que tinha uma capivara de estimação. Acho até grave como que em nenhum momento se fala a respeito do animal em si, como que a Filó está: afinal de contas, ela já estava acostumada com sua vida na fazenda de Agenor, será que ela se adaptará à vida selvagem mesmo? Fico pensando o que diriam a Luisa Mell e o IBAMA se essa capivara não conseguir se reintegrar ao seu habitat natural, e com isso venha até a morrer de fome ou devido a um predador. Provavelmente, ficarão em silêncio, não vão dizer nada... Da mesma forma como ficam calados quanto é uma celebridade que tem um macaco ou coruja de estimação, ou quando animais são mortos por movimentos como o MST.

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