Jogos Clássicos - River Raid

Faz tempo que eu não escrevo sobre os clássicos da era do videogame, mais específicamente dos joguinhos que divertiam várias gerações nos consoles da Atari. Realmente, tempo demais, foram quase seis anos desde a última postagem, sobre o Moonsweeper. Engraçado isso, como eu começo com certas idéias e depois deixo morrer, me esqueço totalmente... Mas, felizmente eu acabo me lembrando em algum momento. 

E volto em grande estilo, começando 2020 falando de um jogo que eu não acredito que não falei ainda: River Raid.


Sem dúvida esse é um dos maiores clássicos que apareceram nas telinhas nas décadas de 80 no Atari. Mais um dos muitos exemplos de como um jogo pode ter uma ideia simples, que seja bem executada, e que culmine em um título bem divertido e empolgante, mesmo sendo mais um daqueles joguinhos infinitos. Naquela época, se faziam clássicos com apenas algumas poucas linhas de programação. Para você ter uma ideia, todo o jogo do River Raid tinha meros 4 kilobytes de tamanho: ou seja, todo o jogo ocupa menos espaço do que a imagem da capa do jogo acima.

River Raid surgiu em 1982, já se vão 38 anos de idade para o clássico do Atari. Algo curioso de se observar é que nessa época era muito comum que os jogos fossem criados por uma única pessoa, em vez de toda uma equipe como é comum hoje me dia, em que tem o cara que cria a história, o que faz design de personagens, que elabora as músicas e assim por diante. Interessante observar também que a pessoa responsável pela criação de River Raid foi uma mulher, a programadora Carol Shaw, mostrando que esse universo de informática não era um clube do Bolinha. Ela é a moça abaixo, ostentando um cartucho do grande sucesso que ela criou.


Sou só eu, ou ela parece a Amy do The Big Bang Theory?

Vamos falar do jogo. Em River Raid, você pilotava um jato de guerra que estava em missão no Rio Sem Volta. O objetivo: destruir tudo que tivesse pelo caminho. Sim, jogos de Atari não tinham muita história, mas essa era a graça, pois não havia muito que pensar. River Raid é um típico shooter vertical, ou seja, que você segue ao longo das fases nessa direção. Diferente dos shooters horizontais, em que sua nave ou avião segue da esquerda pra direita na tela.


Os controles eram bem simples. A haste do joystick era usada para mover o avião para a esquerda ou direita. Havia um sistema básico de velocidade também: o avião sempre voava com sua velocidade média, mas era possível acelerar, empurrando a haste para frente, ou diminuir a velocidade, puxando a haste para trás. O botão vermelho era usado para atirar, com munição infinita.

Descobri depois de muito tempo que River Raid tinha algumas opções de dificuldade. No Atari não havia tela de Options, muitos desses ajustes eram feitos por chavinhas seletoras de dificuldade localizadas no console, com algumas opções que podiam até mesmo ser alteradas durante o jogo. No caso de River Raid, com a chavinha na posição A (difícil), os tiros seguiam sempre em linha reta; na posição B (fácil), os disparos podiam ser controlados, acompanhando o movimento da aeronave. A chave Game Select permitia habilitar o segundo jogador, com um avião preto. Cada um se alternava, após o avião do amigo ser destruído, a outra pessoa jogava.


O interessante é que, apesar de estar pilotando um avião, por algum motivo ele está voando muito baixo, de forma que precisa acompanhar o rio. Isso significa que não tem como sobrevoar as margens, bater com o avião em uma delas resulta em perder uma vida. Sei que parece estúpido um jato voar tão baixo, mas é a premissa do jogo. Qualquer coisa, faça como eu fazia quando era moleque, e imagine que se trata de um hidro-avião a jato e que precisava voar baixo.


Logicamente que o trajeto pelo rio não ia ser moleza, com a presença de diversos inimigos. Em River Raid haviam basicamente três tipos de adversários. A começar com os navios (que depois descobri que eram navios-tanque), que são os maiores e por serem mais fáceis de destruir valiam apenas 30 pontos, e os helicópteros, bem menores e que valiam 60 pontos. Acontece que nenhum deles atirava de fato, mas sim usavam táticas kamikaze contra seu avião. Tanto os navios como os helicópteros começavam parados, e de forma aleatória iniciavam um movimento da esquerda para a direita ou vice-versa, dependendo do lado para onde estivessem apontando. E eles se moviam como carrinhos de "bate e volta", após se chocar com uma das margens, eles invertiam o sentido de seu movimento. Como essa tática, tentavam bloquear a passagem de seu avião.

Pode parecer bobo, mas jogando é outra coisa. Especialmente porque muitos deles esperavam o momento exato para iniciar o seu movimento. Tipo aquele helicóptero filho da puta logo atrás da margem de um rio estreito, que só começava a se mover quando você estava logo do lado. Essa era a parte desafiadora de River Raid, em avaliar se dava pra passar ou não, se era melhor frear pra atirar no inimigo quando ele ficasse na mira, ou acelerar pra passar de vez.


Além do navio e do helicóptero, tinha também os aviões, que pareciam fraldas voadoras, e que valiam 100 pontos. Esses tinham um movimento diferente, sempre se deslocando para um dos lados em uma mesma horizontal, embora sua forma de ataque era a mesma, tentando se chocar contra sua aeronave. O detalhe é que esses aviõezinhos brancos podiam passar por cima do terreno, e ao sair de um dos lados da tela, vinha um outro entrando pelo outro lado.

Peraí... seu avião voa baixo a ponto de não poder passar por cima das margens... mas esses aviões inimigos conseguem. E mesmo assim, eles podem te acertar? Não era pra eles passarem por cima?


Não questionem a lógica dos jogos de Atari... acaba com a diversão.

Mas sem dúvida um dos maiores adversários era justamente o traçado do rio, pois um mero choque contra suas margens resultava na perda de uma vida. Havia um padrão bem básico, em que o rio se dividia em seções, que poderíamos até dizer que são as "fases" do jogo. Essas seções eram separadas por pontes, que eram o grande objetivo da missão. Destruindo uma delas, não apenas você abria caminho para a próxima parte do rio, mas também ganhava valiosos 500 pontos. Se você quisesse, dava pra bancar o japonês suicida, se chocando contra a ponte: iria destruí-la, mas custando uma vida.

Com o detalhe de que você sempre reiniciava no trecho da última ponte destruída: assim, era até comum que certos jogadores usassem essa tática kamikaze para dar uma pausa no jogo. Pois destruindo a ponte com seu avião, você recomeçaria no mesmo lugar, e lembrando que o jogo ficava pausado nessa posição até que você tocasse no joystick.

As seções se alternavam entre um trecho relativamente fácil, em que o rio era totalmente reto, indicado pelas margens verde claras...


... e depois dele sempre tinha uma seção do rio mais complicada, em que as margens eram variadas, com a cor verde escura. As seções difíceis eram sempre simétricas, ou seja, haviam sempre dois caminhos iguais à esquerda e à direita, isso quando não havia somente um caminho central. Não tinha pegadinha, tipo um dos caminhos ser bloqueado, o que exigiria uma memória sobre-humana ou uma dose absurda de sorte pra pegar o caminho correto. Mas era evidente que sempre tinha um trajeto mais fácil e outro mais difícil. Por exemplo, com mais inimigos ou menos combustível.


E falando de combustível... esse era um dos maiores desafios do jogo. Apesar de ter munição infinita, seu avião não tinha como ficar voando eternamente, era necessário controlar o consumo de gasolina (tá, eu sei que avião não usa gasolina... é só figura de linguagem). Na parte inferior da tela, logo abaixo da pontuação, ficava um mostrador de combustível, que ia sendo consumido gradualmente, observando a barrinha indo da posição F de full (cheio) para E de empty (vazio). A velocidade do avião não fazia diferença, o combustível era gasto na mesma taxa independente de estar voando rápido ou devagar. Ao se aproximar do final, um alarme chato começava a gritar, e chegando no E, pane seca e menos uma vida.


Por isso que no rio haviam diversos depósitos de combustível, representados por retângulos rosa e branco com a palavra FUEL. Para abastecer, era só passar com o avião em cima do depósito, para escutar o barulhinho característico e ver a barrinha de deslocar para a direita, até o limite da letra F. No abastecimento a velocidade fazia diferença: a taxa de reabastecimento era a mesma, enquanto o seu avião estivesse sobre o depósito. Dessa forma, se você freasse o avião, passando devagarinho por cima dele, dava pra abastecer por mais tempo. Era a grande sacada para aproveitar esses depósitos de combustível. E que não eram apenas pra abastecer, pois cada um valia 80 pontos.

Imagino os seguidores da Greta achando isso um absurdo, destruindo depósitos de combustível fóssil, promovendo o desperdício e de quebra poluindo o rio. Ainda bem que ela sequer era nascida nessa época...


Aliás, uma das grandes dicas que os bons jogadores de River Raid usam consiste em saber como abastecer e destruir um depósito de combustível ao mesmo tempo. Pois o projétil disparado pelo avião aparentemente é lançado debaixo dele, e isso permite que você atire quando estiver mais ou menos no meio do depósito, destruindo-o. Ou seja, dá pra chegar em baixa velocidade, pegar um pouco de combustível e ainda levar os pontos relativos ao depósito, aumentando a sua pontuação.

River Raid era um jogo infinito, seguindo ao longo do rio sem parar até que você usasse todas as vidas de reserva. Pode parecer moleza, mas a medida que você avançava, tudo ficava mais difícil, com uma maior quantidade de inimigos, trajetos mais complicados e pra completar os depósitos de combustível se tornando mais escassos. Qualquer erro, como bater em um inimigo ou na margem, e era necessário recomeçar da última ponte destruída. Como era comum nos jogos do Atari, em River Raid era possível ganhar vidas extras, com um novo avião de reserva a cada 10.000 pontos, até um limite de nove acumulados.


Embora na verdade River Raid, como muitos outros jogos do Atari, tinha um final "forçado" como indicado no manual e conquistado por poucos, resultado dos limites de processamento da época. No caso, era por conta do placar do jogo: ao atingir 1 milhão de pontos, estourando o limite de seis dígitos da pontuação, o avião explodia e o jogo congelava, com o placar sendo substituído por seis exclamações.


Claro que eu nunca cheguei até aí pra ver, isso eu vi num vídeo do Youtube. Embora eu tenha a ligeira impressão de que o sujeito deu uma "trapaceada" para conseguir isso: eu sou muito detalhista, e joguei bastante o River Raid recentemente para tirar as imagens, e o layout dos inimigos me lembra e muito de uma das fases iniciais. Assim, é possível que o cara tenha hackeado a ROM do jogo para começar com um placar elevado, e assim ele conseguiu o final sem muito esforço... Quem quiser conferir, o vídeo pode ser visto no Youtube.

Ou então chega uma hora em que as fases começam a se repetir. O que eu não acredito muito, considerando como o jogo foi construído.


Aliás, para a turminha mais nerd, essa era uma das grandes revoluções do River Raid, sob o ponto de vista de programação. Ao contrário do que muitos pensam, o terreno não era gerado de forma aleatória, mas também não era armazenado em detalhes no jogo. Afinal, lembre-se que estamos falando de apenas 4 Kbytes de memória. Assim, a programadora Carol usou um pseudo gerador de números randômicos para criar os mapas, "pseudo" pois na verdade ele era formatado para sempre dar os mesmos resultados na mesma sequência, e assim conseguiu gerar sempre os mesmos terrenos, usando esses números. Mostrando como na época os programadores tinham que fazer "mágica" pra compactar o seu programa o máximo possível.

O jogo foi um grande destaque da época, e mereceu todos os prêmios que ganhou. Tanto que ele recebeu versões em outros consoles que vieram a ser lançados após o clássico Atari 2600. Uma das versões que me surpreendeu foi do Atari 5200, em que o visual recebeu uma boa repaginada, com maior detalhamento do terreno, mas ainda mantendo os desenhos clássicos dos aviões e navios. Outra sacada legal é que há um "contador de pontes", que é uma forma legal de saber o quão longe você conseguiu chegar no rio.


Sem falar de novos inimigos. Nessa versão existem também balões de ar quente, que se movimentam como os helicópteros...


... e pra completar, tinha até tanques! Uns ficam passando sobre a ponte, certamente dando pontos de bônus quando destruídos, mas também tem alguns que ficam nas margens, protegidos de seus disparos. E o pior de tudo: eles atiravam!


Está decidido: preciso arrumar um emulador de Atari 5200, pra ver como é esse River Raid.

E teve também a continuação do jogo que foi lançada em 1988, embora sem a participação da programadora original. River Raid II trouxe uma série de ideias diferentes, a começar pelo início do jogo, em que você precisava decolar do porta-aviões... e onde muitas vezes a partida já acabava, se o avião não ganhava velocidade suficiente.


Cada fase seguia o mesmo estilo, após decolar do porta-aviões havia o combate sobre o oceano, seguido do trecho do rio, lembrando o jogo original. No final dele, a sempre costumeira ponte, que após destruída levava você para outra parte do oceano para depois tentar pousar no porta-aviões, que era ainda mais complicado do que decolar.


A jogabilidade era um pouco diferente, pois foi incluído o conceito de altitude. De uma forma simples, com velocidades mais baixas você voava mais alto, e acelerando o vôo era de baixa altitude. Com isso, acabou aquela preocupação de se chocar contra as margens do rio, desde que você estivesse voando alto o suficiente.


Além disso, o jato possui dois tipos de disparos: além do tiro convencional, usado para alvejar inimigos aéreos, era possível lançar bombas ao apertar o botão ao mesmo tempo que a haste fosse puxada para trás. As bombas serviam para atingir os alvos na água, como navios, ou no solo, como a ponte.


Foram criadas novas ideias também sobre os inimigos, que agora disparam contra seu avião, como os helicópteros e aviões. Em alguns trechos havia até fogo anti-aéreo, exigindo que você manobrasse a aeronave pra longe do caminho das nuvens pretas.


O que foi repetido aqui nesse jogo foi a sacada do combustível, de maneira semelhante ao River Raid original era necessário estar atento ao nível do tanque. A novidade ficou por conta da forma de abastecimento: era possível se acoplar com aviões-tanque amarelos, em que valia a mesma metodologia do jogo anterior (ou seja, você ganhava combustível enquanto estivesse encostado nele), com o detalhe que era necessário estar em altitude elevada. Além disso, haviam bolotas amarelas boiando no rio, que davam uma grande carga de combustível, mas que exigiam estar com o avião em baixa altitude.


A continuação de River Raid tinha seus pontos interessantes, criando uma série de elementos que certamente tornavam o jogo mais realista e desafiador. Mas eu confesso que pra mim perdeu muito a graça. Possivelmente por eu nunca ter conseguido passar na primeira fase, sempre porrando o avião na hora do pouso no porta-aviões... mas mesmo assim, eu acho que River Raid II não tem o charme de seu predecessor.


Certamente muitas pessoas mais novas que conseguiram chegar até aqui podem estar torcendo o nariz, diante de jogos com gráficos tão simples e enredo idem. Vendo em alguns sites de jogos durante a minha pesquisa para esse post, vi muitos comentários de gente dizendo que River Raid e demais jogos de Atari são escrotos e sem-graça, com gráficos mal-feitos e se questionando como que alguém podia gostar disso. Geralmente essas pessoas são adolescentes, nos seus vinte e poucos anos, que só tiveram contato com videogames após a era do Playstation ou que só jogam no smartphone.

Sei que existem diversos conflitos de geração... mas eu acho que esses metidos deveriam dar um pouco mais de valor a jogos como River Raid. Não apenas por eles terem sido pioneiros em diversos aspectos que hoje estão presentes nos mais diversos jogos. Só considerando o River Raid em si, foi um dos primeiros vertical shooters da história, e também criou o conceito de checkpoint: afinal, cada ponte destruída marcava um novo lugar de onde você podia recomeçar se perdesse uma vida, e essa ideia veio a ser usada em muitos jogos desde então.


Tudo bem que alguém pode dizer que isso não é grande coisa... que evolução, ainda mais nos videogames, é algo natural...

Mas aí eu comento sobre alguns dos pontos que na minha opinião são os mais legais de jogos mais antigos. A começar pela simplicidade, pois um River Raid é um jogo com o qual você pode se divertir muito facilmente, de forma descontraída a diversão começa quando você inicia sua jornada pelo rio. A jogabilidade é simples, não precisa ter que decorar toda uma combinação de teclas como nos simuladores mais recentes, dá pra se concentrar na ação. Tem jogos mais novos que você precisa passar por um longo tutorial para aprender a fazer alguma coisa, em River Raid não tem o que inventar: se desvie dos inimigos, atire neles e fique de olho no combustível.


Eu sei que existem jogos hoje que são muito bem feitos. Mas que são exageradamente longos e complexos, que vão exigir meses de dedicação, com sessões de horas seguidas. Só quem tem a vida ganha é que pode ficar horas e horas por dia jogando videogame... Por sua vez, River Raid te oferece uma diversão rápida, dá pra jogar uma partida enquanto espera o iFood chegar, antes de dormir, em qualquer momento.

Por fim, outro ponto que acho muito positivo é o desafio. Tem muitos jogos do Atari que são bem complicados, em que apenas os verdadeiramente bons são capazes de zerar, sem usar nenhum truque ou malandragem de emulador. Diferente de muitos jogos recentes, que são bem lineares e que basta seguir a história pra chegar no final, em jogos como River Raid você está sempre tentando bater os seus limites, fazer o maior placar e chegar mais longe. Isso pra mim é um nível de desafio que não encontramos em muitos jogos atuais.

Só pra ter uma ideia: na sequência de partidas que eu joguei recentemente para fazer esse post, eu suei pra conseguir chegar a quase 100 mil pontos. Não duvido que deve ter muito jogador mais novo, que só conhece Playstation e Xbox, que não consegue fazer nem metade disso...


E olha que eu estou meio enferrujado. Me lembro que já cheguei a fazer quase 200 mil há algum tempo atrás.

Enfim, River Raid ainda é hoje um jogo bem legal e desafiador. Mostra como as ideias simples podem resultar em um clássico dos videogames, ainda longe de ser superado. Um exemplo máximo de como haviam épocas mais simples, onde os jogos podiam até ser meio toscos e a princípio bobinhos, mas que proporcionavam diversão sem fim para todas as idades.

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