Intolerância Religiosa Seletiva

Um novo ano está chegando, e geralmente nessa época todo mundo vem com aquele discurso de mudanças, de que depois da virada as coisas vão melhorar e serem diferentes. É o desempregado que sonha conquistar um emprego, é o gordinho que decide entrar na academia pra entrar em forma (e vai desistir depois de um mês), é a solteirona que acredita que finalmente vai juntar as escovas de dente e assim por diante. Mas eu sou um pouco mais "pé no chão", e sei que não existem mudanças tão drásticas só por conta do planeta ter completado uma volta ao redor do Sol em uma data que foi estipulada para trocarmos o calendário. E essa minha visão mais fria é por conta de observar como que é a sociedade, como que as pessoas são.

No final de contas, tudo continua na mesma. Inclusive as coisas ruins.


Hoje eu venho pra divagar um pouco sobre uma dessas mazelas da sociedade, que se mostrou muito evidente nas últimas semanas. Atualmente existe uma tendência muito grande das pessoas ficarem indignadas com certas coisas que consideram erradas. Até aí, nada demais. O problema é quando essa indignação passa a ser motivada pelos ideais politicamente corretos, que promovem antes de tudo uma visão parcial da realidade, com muita hipocrisia que se faz notar pelo o que chamamos de "indignação seletiva".

Cansei de falar disso aqui. A visão politicamente correta, por exemplo, se apresenta como contrária ao machismo, mas não se pronuncia quando as mulheres prevalecem sobre os homens. Os "certinhos" acham lindo quando os pais criam seu filho como menina e vice-versa, mas acham inaceitável quando o garoto é criado como menino e a garota é criada como menina. Tantos exemplos de uma visão deturpada que aplaude e defende apenas as chamadas minorias, pois é "in" defendê-las. Mas que sempre acabam se mostrando hipócritas, pois a mesma opinião que defendem com unhas e dentes quando interessa é deixada de lado quando o praticante e/ou a vítima da ação não faz parte dos seus.

E hoje eu mostro como que isso funciona sob a ótica da religião, aquele tema sempre controverso que geralmente evitamos falar. Tudo isso motivado por uma notícia recente, sobre o cancelamento de um show gospel que iria ocorrer durante a festa de fim de ano na praia de Copacabana, a qual reproduzo aqui.

"O Tribunal de Justiça do Rio determinou, nesta quinta-feira (19), a suspensão do show da cantora gospel Anayle Sullivan na festa de réveillon de Copacabana, na Zona Sul, promovida pela prefeitura. O evento foi programado para a noite do dia 31.
A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) fez um pedido ao órgão e alegou violação aos princípios de laicidade do Estado e da liberdade religiosa.
Caso a decisão seja descumprida, a prefeitura deve pagar uma multa de R$ 300 mil, estabelecida pela juíza Ana Cecília Argueso Gomes de Almeida.
“Em respeito aos princípios constitucionais da laicidade do Estado e da garantia da liberdade religiosa, que determinam ´a promoção da tolerância e do respeito mútuo entre os adeptos de diferentes concepções religiosas e não religiosas, de modo a prevenir a discriminação e assegurar o pluralismo religioso´, concedo a tutela de urgência requerida para determinar a suspensão da realização do show religioso gospel da cantora Anayle Sullivan ou de qualquer outro cantor ou grupo religioso na festa de Réveillon de Copacabana”, diz trecho da decisão da juíza.
Ainda segundo a decisão, a realização do show configura uma “indevida utilização do Poder Executivo e do dinheiro público, que pertence a toda a coletividade”.
A Prefeitura informou, em nota, que a escolha dos artistas do eventos "é de responsabilidade da empresa vencedora do caderno de encargos" e que coube à empresa apresentar a relação de shows e à Prefeitura dar a aprovação formal."
O interessante de observar é que houve um aplauso imenso por parte da sociedade quanto a essa decisão. Muita gente foi nas redes sociais comemorar o ocorrido, concordando que o show não deveria ocorrer e a decisão da juíza foi acertada. Olhei nas redes sociais e vi muitos de meus conhecidos também se regozijando de felicidade sobre a decisão. Muitos em especial por odiarem o Crivella.


Vamos lá... hora de pensarmos um pouco sobre tudo isso...

Segundo a própria reportagem e baseado no que escutei muita gente falando, o cancelamento do show gospel seria teoricamente correto e justificado por conta de três fatores principais:
  1. Por conta dos tais "princípios de laicidade do Estado". Afinal, segundo a lei, o Estado não deve ter influência religiosa, e se a prefeitura estava pagando um show gospel, baseado na religião cristã, isso seria um desrespeito com as pessoas de outras religiões ou atéias.
  2. Devido ao uso indevido do dinheiro público, que pertence a todo o povo. Afinal, como destacado por muitas pessoas, o Rio de Janeiro está passando por vários problemas na saúde e educação, e não faz sentido gastar verba pública com show gospel.
  3. Falou-se até mesmo do barulho, escutei alguns conhecidos dizendo que os shows gospel são muito barulhentos com música muito alta, e isso seria uma grande falta de respeito com os moradores da região, que seriam incomodados pelo barulho.
Ah, nem sei por onde começo... É um prato cheio de asneira pra contestar. 

Sobre o Estado laico... eu entendo que realmente a política deve estar afastada da religião. Porém, não podemos ignorar o fato de que o Brasil foi colonizado por um país que na época era predominantemente católico. Gostem ou não, são fatos. E por essa razão, é de se esperar que existam aqui muitos seguidores da fé cristã. Como da mesma forma, se vamos lá pro Japão, por exemplo, a maioria da população é budista, se vamos para uma Arábia Saudita o povo em geral é muçulmano. Não há nada de errado em um país ter uma maioria religiosa, ainda mais se consideramos que outras religiões são relativamente bem respeitadas aqui.


Eu sei que vai aparecer alguém negando, dizendo que existe perseguição religiosa no Brasil. Bom, sugiro ir lá no Oriente Médio, tipo numa Síria, que vocês vão ver o que é perseguição religiosa... Sempre me lembro do caso de uma idosa egípcia, que foi espancada por muçulmanos, apenas por ser cristã e mãe de um homem que estava tendo relações com uma muçulmana. Ninguém lembra, né? Depois explico o porquê.

Enfim, o fato da prefeitura colocar um show gospel na festa da virada não é algo ofensivo na minha opinião. Não se está desrespeitando a religião de ninguém. De novo, considerando que a maioria da população é católica, arrisco dizer que muitas pessoas iriam curtir o show. Além disso, ninguém precisa ser necessariamente católico para gostar e assistir um show gospel. Por acaso iam barrar quem fosse de outra religião? Nada a ver.

Acontece que é um show católico... religião católica é conservadora... e o prefeito do Rio é o Crivella, que é bispo... certamente você já está percebendo a real motivação... Guarde esse conceito que eu já volto.

Em todo o caso, ainda sobre a "laicidade do Estado" que é defendida veementemente pelo exército do politicamente correto, eu acho muito engraçado é ver como que essas pessoas não aceitam a influência religiosa em um show de fim de ano, mas que certamente essas mesmas pessoas adoram curtir os muitos feriados de origem religiosa que existem em nosso calendário...


Afinal de contas, se você defende o Estado laico, então deveria ter trabalhado nesse dia 25 de dezembro, pois o Natal é uma festa religiosa, celebrando o nascimento de Jesus. Aproveita também, meu amiguinho laico, e não tire folga no Carnaval, que é uma festa de origem religiosa que marca o início da Quaresma, quarenta dias antes da Páscoa, que comemora a ressurreição de Cristo, e que da mesma forma você não pode comemorar, nada de ovinhos de chocolate. Coloca aí também o feriado de Corpus Christi, vamos trabalhar no feriadão, pois religião não deve afetar os feriados nacioanis. E também não se esqueça de 12 de outubro, que é o dia na padroeira do Brasil: afinal, se não deve haver influência religiosa nas decisões do Estado, então sugiro abolirem esses feriados.

É muito engraçado mesmo... na hora de pular Carnaval, trocar presentes e curtir fim de semana prolongado, ninguém pensa na laicidade do Estado... 

Então tá, deixemos de lado a questão religiosa, pois já ficou claro que essa desculpa é uma furada. Vamos pensar no bolso, nas contas da prefeitura. Pois aí não tem escapatória, fazer um show gospel é usar verba da cidade para um mero evento de diversão, algo inadmissível diante da situação precária de nossos serviços públicos, com gente morrendo nos hospitais, crianças sem aula e a população sem segurança.


Tá certo...

Não teremos a banda gospel em Copacabana, graças à juíza, que fez um grande trabalho em defesa das contas públicas. Só me pergunto por que ela não cancelou também os shows do Diogo Nogueira, do Ferrugem, de um tal de Allyrio Mello, do DJ Marlboro e da Mangueira? E isso só no palco principal.

Ou será que todos eles vão fazer seus shows de graça?


Honestamente, se eu fosse apostar eu diria que o cachê de um Diogo Nogueira ou DJ Marlboro, nomes mais reconhecidos, deve ser bem maior do que de uma mera Anayle Sullivan, que é a cantora gospel que foi barrada. Assim, se a preocupação é com o dinheiro público, deveriam ter cancelado essas atrações todas também, é o que faz sentido pra mim. Ou então que colocassem bandas mais baratas, até mesmo que estejam dispostas a tocar de graça. Acontece que dificilmente esses músicos iriam aceitar isso.

"Ah, mas os shows é que atraem o público, e tendo público isso traz verba pra cidade..." vão dizer os defensores desses músicos.

Tá bom, mas o show gospel não atrairia? Se ter shows na praia é o que motiva o público a ir pra Copacabana, e isso justifica o investimento de verba pública pra bancar esses músicos, por que a banda gospel não serve pra isso? Honestamente, se é pra ser assim, acho até muito mais válido que a prefeitura coloque um programa bem eclético, com músicas de diversos estilos, para agradar a todos.


Ora, ou por acaso Diogo Nogueira e samba da Mangueira são unânimes? Eu pessoalmente acho uma merda, MPB e carnaval são coisas que eu simplesmente não suporto. 

Ainda sobre a verba pública, eu acho muito engraçadinho como que os politicamente corretos erguem essa bandeira para defender o cancelamento do show gospel... mas essas mesmas pessoas não acharam ruim quando nosso prefeito "super-star" Dudu Paes gastou rios e rios de dinheiro com as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Onde está o "legado olímpico"? Nas instalações esportivas que estão mofando até hoje, na zona portuária que esta entregue às moscas? Nessa hora, nenhum desses defensores do bom uso do dinheiro público se preocupou com os hospitais e com as escolas. Sem contar com os carnavais de todos os anos, o quanto que esse mané gastou com blocos pela cidade toda, gastando dinheiro público pra gerar aquela zorra.


Pior de tudo, esses babaquinhas ainda vão votar nele de novo. Pois, quem usa mal a verba da cidade é o Crivella, colocando banda gospel no show da virada... Dudu Paes é legal...

Por fim, a outra razão defendida por essas pessoas é sobre o barulho que o show gospel iria provocar. Pois, segundo a turminha da bem politicamente correta, os religiosos são muito barulhentos, cantam muito alto, e isso iria incomodar os moradores da região.

Barulho, meus amiguinhos... Fala sério. Voltemos aos shows desse Réveillon: por acaso a bateria da Mangueira vai ser quietinha e silenciosa? Talvez eles vão fazer "air bateria" pra não incomodar os moradores, né? Sem falar dos próprios fogos, que já são bem barulhentos e que vão incomodar pessoas que queiram mais tranquilidade. Em especial os animais, o que mais se tem são casos de cachorros e gatos que se assustam com o ruído dos fogos. Mas aí não tem problema... Talvez "barulho" pra esses politicamente corretos é só música cristã...


E isso não é só no fim de ano. A praia de Copacabana é frequentemente usada como espaço para as mais diversas atividades, de competições esportivas até shows de música e passeatas. E praticamente todas essas atividades promovem um barulho muito elevado, com carros de som e trios elétricos no volume máximo. Eu já tive a oportunidade de estar no bairro algumas vezes em fins de semana e pude sentir na pele (ou melhor, nos ouvidos) que, mesmo dentro de um apartamento com as janelas fechadas, dava pra escutar o barulho que vinha de fora. Só que nessas horas, as pessoas que acham que o show gospel é barulhento não devem ver nada de errado...

Se o problema é barulho, bora cancelar a parada gay que tem todo o ano?


Afinal de contas, é um dia inteiro em que homossexuais, bissexuais e todos os outros 583 pseudo-gêneros ficam desfilando ao longo da orla de Copacabana, com trios elétricos tocando I Will Survive e It's Raining Men sem parar em volume suficiente pra calar o lançamento de um foguete. Mas, nessa hora ninguém está preocupado com os decibéis.

Sob o mesmo argumento, de que nem todo mundo é católico pra ter que aturar o barulho de um show gospel, nem todo mundo é homossexual pra ter que aturar o barulho de uma parada gay. Acontece que só pode pedir pra cancelar show católico, se pedir pra cancelar parada gay será considerado um ato de desrespeito e homofobia...

Vocês viram como é, uma hipocrisia total. Defendem o Estado Laico mas adoram os feriados religiosos; são contrários ao desperdício de verba pública mas ignoram o "legado olímpico"; querem a paz e sossego dos moradores, mas que deixa de ser importante na hora de defender os gays. Isso tem um nome: hipocrisia.

E nesse caso, a hipocrisia é motivada pela questão religiosa. Isso fica claro quando vemos que, durante o ano, sempre tem uma passeata contra a intolerância religiosa. Até aí, tudo muito legal... o grande problema é que se vemos essa passeata, é promovido um enaltecimento das religiões minoritárias, como as de origem africana como candomblé e outras. A religião católica, quando está presente e é citada nessa caminhada, passa despercebida.


Não estou inventando história: em mais de uma oportunidade, estive em Copacabana quando houve essa caminhada, e presenciei com meus próprios olhos. A multidão ocupando o espaço público com demonstrações religiosas diversas (laicidade, ninguém preocupado com isso), contando com a presença de agentes de segurança públicos (ou seja, verba pública em uso) e com um baba orixá ou coisa parecida em cima de um trio elétrico com cânticos a plenos pulmões (em outras palavras, barulho). A diferença é que ninguém acha ruim isso, nenhum politicamente correto aparece numa passeata dessas para falar de laicidade, de verba pública ou de barulho excessivo. Isso só vale quando é pra silenciar um evento de origem católica.

E viva a tolerância religiosa!

O grande problema é que, como disse acima, é fato de que a religião católica em geral está presente em grande número no país. Especialmente se colocarmos junto com os evangélicos, uma doutrina que cresceu bastante nas últimas décadas. Católicos e evangélicos, além de serem maioria no Brasil, também representam algo que a sociedade politicamente correta odeia: são religiões que possuem um estilo mais conservador. E sabemos bem que hoje em dia a palavra "conservador" é algo que provoca dores nos liberais e progressistas, que defendem suas ideias politicamente corretas para um mundo melhor. 


Afinal de contas... de uma forma geral, a fé cristã defende certos conceitos que os politicamente corretos não aceitam. Por exemplo, casamento entre homem e mulher somente, criminalização do aborto e outras coisas. É sabido que a religião católica tem se atualizado para os novos tempos e se tornou mais tolerante quanto a certas coisas (tipo, casamento gay), mas mesmo assim ainda é tida como uma religião que segue muitos conceitos conservadores.

E para o politicamente correto... o conservador é ruim, e deve ser extinto. Conservador é o inimigo a ser destruído.

Como vemos com o que está sendo feito com Crivella. Não estou defendendo o prefeito do Rio, apesar de ter votado nele (se ganhasse o Freixo, aí é que estaríamos fudidos). Mas é descarada a perseguição que ele sofre por ser religioso e por ter tomado decisões mais conservadoras. Por exemplo, ele sugeriu que a prefeitura não gastasse mais dinheiro com o Carnaval, para evitar os gastos de verba pública com uma festa que trás lucro pra muita empresa interesseira, tipo Rede Globo e fabricante de cerveja, que curtem o bônus sem se preocupar com o ônus. Afinal, a cidade prepara tudo e esses "ixpertos" só montam seus camarotes com ingressos caríssimos pra lucrar em cima, uma verdadeira "festa fo povo". Nesse ponto, concordo com o Crivella, mas a sociedade politicamente correta ficou com raiva, pois ninguém quer que deixe de ter Carnaval...


Pegamos essa e outras decisões polêmicas, junte com o fato dele ser evangélico, e o apedrejamento começa. É só assistir dois minutos de um jornal local da Globo para ver como que fazem de tudo para destruí-lo, criticando problemas da prefeitura que existem há anos, mas que ninguém achava ruim quando o Dudu Paes era o prefeito. Pois Dudu Paes não é religioso, não é conservador, ele é amiguinho da Globo...

Tudo isso motiva essa visão hipócrita, e é o que explica uma percepção diferenciada da sociedade "do bem" diante de casos como esse. Por exemplo, o show gospel é considerado mau uso de verba pública, pois tem a ver com a religião católica, enquanto que chamar outros músicos não é visto como algo ruim. Mesmo que esses outros custem mais caro. Ou seja, o problema não é gastar dinheiro, mas sim gastar dinheiro com algo que seja relacionado de alguma forma com a religião católica. Quando o assunto é barulho, mesma coisa: incômodo será somente se for uma cantora clamando por Jesus, isso não pode; agora, se é um pai-de-santo clamando por Ogum, aí é lindo, é maravilhoso, não é incômodo nenhum. Se você se incomoda, é intolerante religioso.

Essa visão parcial e escrota por parte dos politicamente corretos fica ainda mais evidente quando olhamos para outro caso recente que tivemos nesse mês. Os comediantes do Porta dos Fundos fizeram um especial de Natal onde, entre outras piadinhas babacas, mostraram Jesus como sendo gay, interpretado pela besta do Gregório Duvivier.


Tá explicado porque ele foi escalado pra fazer o papel de gay, deve ser por conta de sua experiência pessoal de levar na "porta dos fundos". Babaquinha de merda, chincheiro escroto, amiguinho de hacker.

Logicamente que isso provocou a revolta de várias pessoas, seguidoras da fé cristã, chegando ao ponto de que algumas associações católicas foram à Justiça para pedir a proibição desse episódio ser lançado. Agora, o mais interessante é ver que a mesma "Justiça" que proibiu o show gospel de acontecer no Réveillon ignorou os pedidos dessas associações e liberou o programa do Porta dos Fundos, alegando que não cabe à Justiça promover censura...

Curioso, não? Quando é pra impedir um show gospel de acontecer, ninguém falou em censura... 


Claro que os mesmos politicamente corretos que adoraram ver o show gospel cancelado também acharam o máximo ver que o especial do Porta dos Fundos poderá ser exibido. Afinal de contas, é só humor inocente, não tem nada demais em colocar o Jesus como gay, fazer com que Maria seja retratada como adúltera e assim por diante. É a "maravilhosa" liberdade de expressão, e que não deve ser censurada. Chegando ao ponto de aparecerem alguns politicamente corretos que vão criticar a hiper-sensibilidade dos outros, que não entendem uma brincadeira, que o mundo está ficando muito chato e não se pode mais fazer piada com nada.

Sim, escutei um conhecido meu, politicamente correto ao extremo que é o primeiro a reclamar de qualquer coisa que fuja de sua agenda liberal, falar isso...

Interessante é olhar para o passado, e lembrar de quando o jornal humorístico francês Charlie Hebdo fazia sátiras com o Maomé, líder supremo da religião islâmica, o que motivou que dois assassinos invadissem a redação armados de fuzis, matando doze pessoas ao todo. Apesar de algumas demonstrações de apoio aos cartunistas mortos, com todo mundo segurando cartazes com os dizeres "Je suis Charlie", me lembro de muita gente que argumentava que o jornal tinha passado dos limites, que era conhecido por suas ofensas contra os muçulmanos, justificando o ocorrido pelas piadas preconceituosas que eles faziam. Em nenhum momento alguém falou sobre o direito à liberdade de expressão...


Me lembro de conhecidos meus, que hoje se divertem com o especial do Porta dos Fundos, que na época desse atentado diziam que tinha sido "bem-feito aos cartunistas", pois era errado fazer piada com a fé religiosa dos outros... 

Pois é, é errado fazer piada com religião... com exceção da católica. Essa aí pode sacanear à vontade.

O mais curioso a ser observado é que, na véspera de Natal, o prédio da produtora do Porta dos Fundos foi atacado por manifestantes, que jogaram dois coquetéis Molotov na entrada. Não tiveram feridos, mas sem dúvida foi um ataque motivado pelo especial de fim de ano que eles fizeram. Aí é que o politicamente correto se sentiu revoltado, achou um absurdo. Apareceu o babaca do Porchat dizendo que era crime de homofobia (como assim?), não demorou para os liberais "do bem" começarem a acusar a comunidade católica de ser intolerante (muçulmanos, por sua vez, são todos bonzinhos) e inúmeras vozes condenaram o "ataque covarde" ao direito de liberdade de expressão (o mesmo que os cartunistas do Charlie Hebdo não tiveram). 

Precisa falar mais de hipocrisia, ou querem que eu desenhe?


O que eu acho mais hilário é ver os supostos defensores da liberdade de expressão defenderem o programa do Porta dos Fundos, mas criticarem outros que consideram como preconceituosos. Para o politicamente correto, a liberdade de expressão existe sim... desde que você esteja falando algo que esteja alinhado com os seus ideais (entenda-se como discurso liberal, progressista, politicamente correto e de esquerda). Do contrário, não pode, não tem direito, tem que ser calado... e não pode ser considerado como censura.

Vide o exemplo do filme "Não Vai ter Golpe", produzido pelo MBL e mostrando o impeachment sobre a ótica da direita, e que foi proibido de ser apresentado em cinemas, ou o documentário 1964, falando coisas da ditadura que o seu professor de História que ama Che Guevara não fala, e que foi removido do Youtube de forma repentina. 

Não me lembro de ter visto o Porchat ou o Greg falando em defesa da liberdade de expressão ou contra a censura nesses casos... Por que será?


Na boa, se esses dois babacas gostam tanto de fazer piadinha com os outros e acham que não há problema em zoar com a fé alheia, eu sugiro que eles façam um filme sacaneando os muçulmanos. Que façam um especial mostrando o Maomé como gay, como fizeram com Jesus, quero ver se são machos pra fazer isso. Duvido! Não apenas por serem um bando de cagões e terem medo de uma represália mais violenta do que dois coquetéis Molotov, mas porque nessa hora vai falar mais alto o respeito pela tolerância religiosa, aí vão dizer que não é correto judiar da fé das pessoas... afinal de contas, a religião muçulmana é "legal", mesmo sendo ultra-conservadora em certos aspectos, como, por exemplo, a forma como consideram as mulheres submissas aos homens.

Mas você não vê nenhum politicamente correto dizendo que o Islã é machista, né?

São coisas assim que me fazem lamentar muito pelos rumos da sociedade... Cada vez mais temos um mundo em que se promove a divisão, o "nós contra eles", as disputas cada vez mais parciais e ferrenhas. Tudo isso graças à uma ideologia politicamente correta que quer decidir o que é certo e errado, mas o faz de acordo com princípios hipócritas, de forma a defender seus aliados independente do que façam, e hostilizar seus inimigos também não importando o que façam. É o que acontece com a religião: qualquer coisa que venha da fé católica é considerada como atrasada, conservadora e inaceitável, e qualquer crítica, zoação ou ofensa que seja feita contra ela é justificável e aplaudida. Mas, vai fazer o mesmo com umbanda, candomblé ou islamismo, e os mesmos politicamente corretos que acham graça do especial do Porta dos Fundos vão acusá-lo de intolerância religiosa.

Na minha opinião tudo tem o seu limite. Tudo bem que não podemos ser tão xiitas a ponto de não saber lidar com brincadeiras. Por outro lado, eu acho que uma hora a brincadeira começa a ser ofensiva demais, como o que o Porta dos Fundos fez. Se tivessem feito uma piada parecida com uma religião muçulmana ou africana, certamente a reação da sociedade seria outra. Tolerância religiosa, deve valer para todas as religiões, e não somente para aquelas que interessam à uma minoria politicamente correta que acha que está sempre com a razão. 


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