Águas de Abril...

Não é novidade a catástrofe que caiu sobre o Rio de Janeiro durante essa semana. Desde o final da tarde da última segunda-feira, chuvas fortíssimas provocaram o caos em todo o estado. Ruas alagadas, pessoas ilhadas e deslizamentos de terra com vítimas fatais foram notícias constantes em todos os jornais. Segundo fiquei sabendo, foi a maior chuva nos últimos 44 anos, o que significa que há pouco mais de quatro décadas choveu muito mais, o que não minimiza o tamanho da catástrofe: até o momento, forma mais de 200 pessoas que perderam a vida por causa da chuva.

Felizmente para mim, eu não fui tão atingido pelas consequências dessas grandes chuvas. Quando tudo começou na segunda, eu já estava em casa, e só precisei me preocupar em fechar as janelas para evitar que a chuva molhasse tudo aqui dentro. Só vim a tomar conhecimento das dimensões do problema no dia seguinte quando liguei a televisão de manhã cedo, vendo a Praça da Bandeira virar um lago. Mas, apesar de chuva, o caminho até o trabalho (que não fica muito longe de casa) estava relativamente tranquilo, e fui para o escritório. Tudo bem que foi complicado pegar um ônibus, pois poucos deles conseguiram passar pelos alagamentos em outros cantos da cidade para chegar aqui, mas não tive problemas para chegar ao trabalho. Acabou que fui o único que conseguiu chegar, e aproveitei para adiantar algumas pendências e logo voltei para casa. O retorno também não teve muitos problemas, já que a grande maioria da população seguiu a recomendação do prefeito de não sair de casa, logo as ruas estavam desertas.

Mas claro que em outras regiões do Rio a situação foi bem mais complicada... Por exemplo, a Tijuca uma vez mais ficou debaixo d'água, em especial na Praça da Bandeira. Jacarepaguá e Barra sofreram bastante também, ficando isoladas do restante da cidade, depois que ocorreram problemas em suas principais vias de acesso. As ruas de Botafogo e Jardim Botânico também foram atingidas, virando verdadeiros rios que corriam por entre as calçadas. Mas nenhum lugar sofreu mais que Niterói... Lá ocorreram muitos deslizamentos, inclusive no tal Morro do Bumba, favela que se ergueu sobre um antigo aterro sanitário e que veio abaixo, vitimando muitas pessoas...

Não me veja como uma pessoa insensível e sem coração por não ficar aqui exaustivamente lamentando as mortes e os desabrigados, deixo isso para os jornais sensacionalistas, interessados apenas em ganhar audiência mostrando pessoas desesperadas e em prantos após perder seus entes queridos ou mostrando as famílias que perderam suas casas. Nesse momento, fico pensando em quais foram as causas de tudo isso, de quem seria a responsabilidade por essa tragédia. Como toda grande catástrofe, penso que trata-se de conjunção de fatores, como um acidente aéreo, dificilmente existe uma causa única que é responsável por tudo.

Claro que um dos principais motivos é que a cidade não tem nenhum tipo de preparo para lidar com chuvas desse porte. O Rio de Janeiro possui uma topografia muito peculiar, com várias regiões que são cercadas por morros. Naturalmente, quando chove a água escorre pelas encostas até chegar ao oceano, e no meio do caminho fica a cidade, e é inundação na certa. Dessa forma, o que se espera é que exista um sistema de escoamento de águas pluviais capaz de levá-la adiante, como o rio de Los Angeles: você certamente se lembra da famosa cena de perseguição do filme Exterminador do Futuro 2, onde o T-1000 persegue John Connor em um rio seco. Em dias de chuva, aquele rio enche todo, levando toda a água até o Pacífico. Certamente é algo que precisaríamos ter em nossa cidade, claro que em menor porte, mas certamente ajudaria.

Além do escoamento da água, existe também a necessidade de algum tipo de preparo das encostas. O terreno montanhoso da cidade, oriundo da quase extinta Mata Atlântica, é composto por uma camada de terra sobre rocha, e após uma grande quantidade de chuvas, existe o risco desse solo encharcado se desprender e vir abaixo (vide outra tragédia recente, ocorrida em Angra dos Reis alguns meses atrás). Logo, algum tipo de obra deve ser feita para impedir os desmoronamentos, principalmente considerando que muitas vias de trânsito de grande importância passam perto das encostas, principalmente nas rotas vindo da Zona Oeste.

Certamente alguém deve me chamar de monstro por citar apenas a interrupção de avenidas e estradas como principal problema dos deslizamentos. "E as pessoas que moram nos morros?", podem estar se perguntando. Calma, vou chegar lá... Estou falando primeiro da estrutura da cidade, a questão das moradias em áreas de risco é outro departamento que vou abordar mais adiante. Até porque essa questão das habitações construídas em morros é um problema que não é só responsabilidade do governo...

O mais "legal" de tudo é como os nossos ilustres governantes não investem em obras focadas em prevenção contra grandes chuvas como essa que tivemos. Vendo essa notícia aqui da IstoÉ, podemos ver como seriam necessários em torno de R$500 milhões para preparar a cidade para enfrentar essas grandes chuvas, envolvendo atividades como construção de canais para escoamento, muros de contenção e remoção de famílias de áreas de risco. Mesmo com toda essa evidente falta de estrutura, como explicar que o Rio recebeu no ano passado apenas R$1,6 milhão de reais para investimento em prevenção para esse tipo de desastre? Parece que nossos governantes têm outras prioridades... Por exemplo, segundo a mesma reportagem o PAC 2 do Lula e Dilma chega a 1 trilhão de dólares! Sim, eu disse dólares! O Lula, por sua vez, está mais preocupado é com a Copa e as Olimpíadas, como ele mesmo comentou horas depois da tragédia.

Mas não só os políticos que devem ser responsabilizados pelos problemas de nossa cidade após uma tremenda chuva dessas. O povo também fez a sua parte para que o caos se propagasse pela cidade. Uma das causas das ruas cheias é o lixo das ruas: o brasileiro, e principalmente o carioca, é um povo mal-educado e folgado, e jogar porcaria no chão e na calçada é algo extremamente comum por aqui. Aí toda essa merda de lixo entope os bueiros, e quando chove as ruas transbordam, sempre foi assim e ninguém aprende, todo ano se repete a mesma ladainha... Se o povo fosse um pouco mais limpo e jogasse lixo no lixo, as ruas poderiam até encher, mas certamente não com a mesma intensidade de hoje. Eu me revolto com isso, acho que o povo só vai parar de cagar as ruas quando botarem uma multa duns mil reais pra quem joga lixo no chão, só assim resolve.

Alías, foi possível observar um fato curioso durante o primeiro dia dessas chuvas: segunda-feira é o dia que normalmente a Comlurb recolhe o lixo dos edifícios aqui perto, logo os porteiros e faxineiros costumam colocar os latões e sacos de lixo na calçada. Quando começou a desabar a tempestade, ninguém fez nada e deixou tudo onde estava. Caramba, o bom senso me diz que, já imaginando que debaixo daquela mega tormenta o caminhão de lixo não passaria, as pessoas recolheriam todo o lixo para dentro dos edifícios. Mas ficou por isso mesmo, logo a rua encheu e boa parte dos sacos de lixo foram carregados pelas "ondas" formadas pelos ônibus que passavam pela rua alagada, e vários latões tombaram, espalhando o lixo pela água, contribuindo assim para sujar ainda mais as ruas, entupir os bueiros e proliferar doenças...

E assim chego àquela que certamente é o principal tema de discussão, as habitações construídas em áreas de risco, já que a imensa maioria das vítimas moravam em tais locais e perderam a vida quando suas casas vieram abaixo juntamente com as encostas dos morros. E a grande questão é de quem seria a culpa por todas essas mortes? Claro que nessa hora começa um jogo de "empurra", com o governador e o prefeito dizendo que a culpa é da população das comunidades (ou melhor, favelas), enquanto que esses dizem que a culpa é do governo. Pessoalmente penso que a responsabilidade pelas mortes nos morros é de ambas as partes, tanto das autoridades como dos moradores.

Sim, eu vejo dessa forma, penso que a culpa é mútua nesse caso. Da parte dos moradores das favelas, eles não deveriam fazer suas casas nos morros, principalmente pelo fato de que derrubando as árvores enfraquece-se o solo, contribuindo para deslizamentos. Mas para ficar mais próximo dos locais de trabalho e não ter que pagar impostos (e para depois o governo passar a mão na cebça deles e dar tudo de bandeja), as pessoas cismam em construir suas casas ali. É uma falta de amor à própria vida, o fato de morar perto do trabalho ou não ter que pagar pela terra é superior à preocupação com seu bem-estar.

E da parte dos governantes, está a negligência de não impedir que as favelas se proliferem em nossos morros. Sinceramente, o governo tinha que ser mais enérgico e remover as pessoas das áreas de risco, mesmo que fosse à força, e não ficar só falando fino e sugerindo que elas saiam de lá. Caso um petelho ou membro do Viva-Rio me questione sobre onde essas pessoas iriam morar, é algo que o governo poderia fazer, construir casas em locais seguros onde essas pessoas poderiam morar decentemente. Claro, pagando devidamente os seus impostos, como todo cidadão deve fazer. Mas os políticos sabem que as favelas são uma grande fonte de votos, é interessante que elas existam e que as pessoas vivam lá em péssimas condições, para assim ter algo para prometer durante a campanha.

Apenas para fechar, cabe ainda mais um comentário sobre o nosso ilustre presidente... Afinal de contas, esse é o último ano dele, e preciso aproveitar para comentar as babaquices sem tamanho que ele diz. Como citei acima, uma minúscula parcela da verba para obras contra chuvas (menos de 1% do total) foi destinada ao Rio, fato questionado por todos. Aí o Lula ficou putinho, disse que não era bem assim, "que as pessoas esperam acontecer uma desgraça dessa magnitude para ficar tentando fazer o joguinho político pequeno" (veja a notícia aqui). Em outras palavras, como o ministro responsável pela distribuição dessa verba é um aliado político, se alguém reclama estão se aproveitando de uma catástrofe para levantar acusações políticas. Curioso agora é como Lula, Dilma e os petralhas tiveram uma postura muito mais agressiva, com traços eleitoreiros, quando houveram as chuvas em São Paulo, dizendo nas entrelinhas que a principal responsabilidade pelas enchestes e mortes na capital paulista eram culpa da negligência e falta de investimento do governador e do prefeito. Algo esperado, já que eles são de partidos de direita. Agora, quando a tragédia é aqui no Rio e morre muito mais gente, os mesmos Lula, Dilma e os petralhas se solidarizam com o governandor e prefeito daqui, dizendo que eles estão fazendo um excelente trabalho. Algo também esperado, pois eles são seus aliados políticos...

Pois muito bem, agora ainda é um momento crítico, as chuvas estão diminuindo mas podem voltar. A cidade ainda se recupera dos estragos e conta os seus mortos. Fica a esperança de que dessa vez nosso povo e nossas autoridades tenham percebido como nossa cidade não é tão maravilhosa assim e não está completamente imune à catástrofes naturais, e que medidas preventivas sejam tomadas para que esse drama não se repita. Só resta torcer para que isso ocorra, e não vire mais um episódio a cair no esquecimento depois de uma Copa do Mundo ou desfile de Carnaval...

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