Cougar Boy

Tem horas que me lembro de algumas coisas de minha infância e adolescência que já estavam esquecidas, enterradas nas mais profundas memórias em minha cabeça. Mas é muito curioso como às vezes um breve estímulo que a princípio não tem nada a ver com elas faz com que eu me recorde vividamente de algo que me marcou no passado. Desde momentos bons até situações embaraçosas, indo de coisas bem desagradáveis até aquelas que eu curtia. E esses dias eu tive um desses momentos, quando estava surfando na internet (expressão de quem viveu o surgimento da grande rede) eu acabei me esbarrando com uma dessas lembranças, que veio com tudo: o simpático videogame Cougar Boy.

Tá... sei que a imensa maioria deve estar torcendo o nariz, se perguntando que merda é essa. Ou imaginando que eu errei o nome do Game Boy (e provavelmente me xingando de burro por conta disso).

Para explicar o que era o Cougar Boy, temos que voltar para a década de 90, época em que os videogames estavam bombando. Ainda eram os tempos dos consoles de 8-bits, como o Master System e o Nintendo, e em alguns anos chegaria a nova geração de aparelhos de 16-bits como o Mega Drive e Super Nintendo. Mas todos os videogames naquela época eram em geral consoles, que tinham que ser ligados na televisão no canal 3 para que pudéssemos jogar. E só quem foi criança nesses tempos sabe como era relativamente angustiante e mais complicado para ligar o videogame...

Afinal de contas, os lares normalmente só tinham um único aparelho de televisão, disputado pela família. Era o pai querendo assistir o Jornal Nacional ou o jogo de futebol, a mãe querendo ver a novela ou o programa da Ofélia e assim por diante. Não era sempre que o moleque poderia fazer o Mario pular em cima de tartarugas ou pilotar um carrinho de jogo de corrida, somente nos momentos em que os mais velhos deixassem que o videogame fosse ligado na TV. Por exemplo, era comum que os consoles só fossem ligados nos fins de semana, e mesmo assim tendo que ser desligado em momentos em que o aparelho de televisão fosse requisitado por outros membros da família.

Provavelmente percebendo essa "dificuldade" para acessar os jogos, as empresas de videogame nessa época pensaram em formas para tornar o ato de jogar videogame algo mais fácil e em qualquer lugar. E uma solução veio com os consoles portáteis, como o Game Boy e o Game Gear.

Claro que a maioria de nós, que fomos crianças e adolescentes nessa época especialmente em países como o Brasil, não teve esse luxo tão fácil. Afinal de contas, estes pequenos videogames que cabiam nas mãos eram relativamente caros na época do seu lançamento. Geralmente começamos com aqueles joguinhos portáteis, tipo o Brick Game (um Tetris que a gente comprava em qualquer camelô) ou aqueles outros joguinhos pequenos que funcionavam com pilha de relógio (sobre os quais eu talvez faça uma postagem um dia), mas não era  a mesma coisa. Afinal, eram joguinhos muitas vezes bem bobos e não tinha a possibilidade de trocar de cartucho, como nos portáteis da Nintendo e Sega. 

Me lembro que eu pedia muito aos meus pais para comprar um Game Boy... Por mais que eu curtisse mais os aparelhos da empresa do porco-espinho azul, eu via o Game Gear como um mero Master System de bolso, com praticamente os mesmos jogos mas em uma telinha minúscula. Sem falar que ele era mais caro, pelo fato de ter tela colorida. Assim, fazia mais sentido um Game Boy, onde poderia jogar outros jogos diferentes e sem custar muito mais.

Insisti tanto, até que em uma determinada ocasião (não me lembro se foi aniversário, Natal ou Dia das Crianças), meu desejo se realizaria... bom, em parte. Pois o que estava por trás do papel de presente era na verdade um Cougar Boy.

Bom, o Cougar Boy era exatamente o que você está pensando, uma cópia pirata do Game Boy. Mas não era uma cópia como estávamos acostumados a ver aqui no Brasil: tipo, aqui tinha o Phantom System, que era uma réplica do Nintendinho com um nome diferente, mas que jogava os mesmos jogos. Não, o Cougar Boy era uma réplica "única", sem nenhum tipo de compatibilidade com o Game Boy, só aceitando os seus próprios cartuchos. Desenvolvido nos anos 90 por uma empresa de Hong Kong com o nome original de Mega Duck, logo depois foi importado pela Cougar no Brasil, que deu o nome Cougar Boy, e que tinha toda a mesma cara do Game Boy, com a tela de LCD, os botões na carcaça branca e tudo mais.

Só que não era um Gameboy...

Não me leve a mal, falando assim parece que eu fui uma criança mimada e birrenta, que não aceitava ser contrariada. Não foi o caso, sempre gostei muito do que tive em minha infância, sendo muito agradecido aos meus pais por terem sempre feito um esforço para que eu tivesse coisas legais, dentro do alcance.

Só que a grande verdade é que quando esperamos algo "oficial" e vem uma cópia "pirata", geralmente bate aquela sensação de desânimo, não importando a situação e a idade. É uma tendência natural de olhar torto para uma réplica, imaginando que trata-se de um produto de má qualidade. Era a mesma sensação de pedir pro Natal um boneco do Comandos em Ação e vinha um SOS Comandos, por exemplo. Ou imaginando na vida adulta, quando você abre um presente de aniversário ou Natal e é sempre o mesmo pacote de cuecas sortidas...

Bom, voltando ao assunto... tenho que admitir que o Cougar Boy foi uma grata surpresa. Apesar de seus jogos serem também cópias de títulos mais famosos do Game Boy, o pequeno aparelho era até bem divertido. Como disse, o fato de ter cartuchos que permitiam trocar o jogo era um grande avanço em relação aos minigames que eu estava acostumado. E mesmo que muitos jogos fossem realmente imitações dos clássicos da Nintendo, me parece que eles eram mais simples e amigáveis, sendo assim mais divertidos de jogar, da mesma forma que acontece até hoje com os títulos do Atari. 

Vale citar alguns dos jogos que eu joguei dele, e que felizmente pude revisitar com um emulador do aparelho. Mostrando que até mesmo esse portátil pouco conhecido e que teve uns quarenta e poucos títulos conseguiu ter um emulador.

Aqui no Brasil o Cougar Boy já vinha com um cartucho de 4 jogos, remetendo aos tempos do Atari, e que admito que raramente saía do portátil, já que eram bem legais, apesar do pato escroto do título que lembra o Howard, o Pato.

Não sabe quem é o Howard? Confia em mim, ninguém deve saber quem é. E sugiro fortemente que não procure o filme dele que fizeram nos anos 80, caso tenha feito uma refeição recentemente.

Desses quatro jogos, um legalzinho era Virus Attack, um clone direto dos jogos de tiro como Space Invaders e Galaga. A mesma sacada, uns monstros voando em formação no topo da tela e de vez em quando alguns desciam atirando. Embora fosse simpático, não apresentava muita variedade, todas as fases eram iguais, sem aumento de velocidade ou dificuldade.

Apenas um comentário: claro que na verdade a tela do Cougar Boy tinha aquela cor verde. Mas o emulador gera as imagens em preto e branco.

Dois jogos eram quebra-cabeças, sendo que Trouble Zone era uma releitura curiosa de um Tetris. A diferença é que os blocos são numerados, vindo sempre em grupos com dois deles na vertical. Ou seja, só dava pra inverter a ordem dos números. Para remover os blocos e liberar espaço, dava pra combinar três números iguais ou fazer uma sequência de quatro números.

Dice Block era outro jogo curioso, esse aqui eu não sei qual seria o equivalente mais famoso. A ideia é um tabuleiro com dados, onde você controla uma seta. O objetivo é deixar todos os dados com valor de um, mas isso não era fácil: com a setinha apontando para um bloco, você "empurrava" um novo, com um valor diretamente abaixo (tipo, empurrando um "3" aparecia um dado com "2"). Só que você tinha que observar bem a sequência, pois só era possível subir em um bloco a partir do "1" em diante. 

Ou seja, imagina o tal dado com "3", para estar do lado dele era necessário estar em cima de um com "2", e para subir neste era necessário subir em um dado com "1". Meio confuso, mas te digo que era um quebra-cabeça original.

Pra fechar o cartucho de quatro jogos que vinha com o Cougar Boy, tinha Electron World. Um joguinho de tiro, onde você comanda o que parece ser uma pequena nave que está em uma placa mãe, sendo atacada por várias outras naves diversas. O objetivo em cada fase era destruir todos os inimigos, mas sem deixar que eles chegassem no chip principal na base do mapa. Era um jogo muito legal, pois você tinha que mesclar ataque e defesa, muitas vezes tendo que correr de volta para impedir que um inimigo destruísse o chip.

Por mais que fossem joguinhos simples, eram bem divertidos. Mas sem dúvida os demais títulos eram bem mais avançados, considerando a capacidade do Cougar Boy. Como de costume, muitos eram versões de jogos mais conhecidos da Nintendo, mas acho que tinham até alguns relativamente originais. Ou então eram baseados em jogos mais obscuros e desconhecidos.

A grande verdade é que me lembro de apenas alguns jogos em separado que eu tinha, mas creio que tinha umas cinco ou seis fitas adicionais, além da que vinha com o Cougar Boy.

Um deles era Pile Wonder, que é um dos muitos títulos baseados no original Sokoban, conhecido por muitos como o "jogo do armazém" ou "jogo das caixas". Ou seja, cada fase tem um mapa com diversas caixas em certas posições, e você controla um homenzinho que precisa empurrá-las para o lugar certo. E que só agora, ao usar o emulador, me dei conta que um dos botões podia ser usado para puxar a caixa. Provavelmente isso teria reduzido a minha frustração ao jogar esse jogo quando era moleque...

Por sua vez, outro jogo interessante no estilo de raciocínio era Vex. Esse eu não sei qual é seu equivalente mais famoso, parecia um Tetris mais avançado. Blocos com padrões distintos vinham caindo do teto, e você tinha que controlar uma bandeja para recolhê-los e depois largá-los em no espaço abaixo, sendo que juntando três ou mais em linha fazia com que eles sumissem. Mas tinha um ponto interessante pois cada fase tinha sua missão, como formar tantas diagonais ou horizontais. Achava esse legal, proporcionava um bom desafio.

Perceba como a maioria dos jogos eram de quebra-cabeças... Acho que pelo menos pra mim o Cougar Boy estava indo na linha da diversão educativa. 

E outro título que me lembro que tinha era Street Rider, o qual também não faço ideia que jogo estava copiando. Diria que esse tinha uma caixa com "propaganda enganosa", pois achava que era um jogo de corrida. Mas na verdade era apenas um carrinho que você controlava em um labirinto, tendo que recolher moedas (além de power-ups para ganhar velocidade) e evitando outros carros inimigos, que podiam ser parados ao soltar uma nuvem de fumaça pela traseira do carro. Nada muito a ver com corrida, mas diria que era até divertido de jogar.

São estes que me lembro. Acho que eu tive também Artic Zone, onde você controlava um urso polar jogando cubos de gelo, e Railway, que tinha a mesma premissa dos jogos de conectar encanamentos mas com trilhos de trem.

Para citar mais alguns exemplos de "cópias" disponíveis no portátil, tinha Ant Soldiers, que era basicamente um jogo de estratégia como o Lemmings, Beast Fighter trazia monstros destruindo a cidade como no clássico Rampage, Puppet Knight era igualzinho ao famoso Bomberman, e tinha até Snake Roy que nada mais era que o popular "jogo da cobrinha" que costumávamos jogar nos velhos celulares, só que a cobra tinha uma cara de um sujeito estranho...

Bizarro de verdade. Aliás, muitas das capas dos jogos do Cougar Boy não tinham nada a ver com o jogo, lembrava da época do Atari e as caixas com figuras escrotas e até mesmo nos consoles mais avançados como Mega Drive, onde as capas das versões ocidentais eram toscas, diferentes das maneiras vistas no Japão.

Enfim, por mais que o Cougar Boy fosse mesmo uma imitação mais barata do Game Boy, eu admito que ele rendeu boas horas de diversão descompromissada e saudável. Ainda eram tempos de jogos mais simples, sem a exagerada complexidade que vemos em certos títulos de hoje em dia, uma época em que era só ligar o aparelho e passar o tempo empurrando caixas, atirando em alienígenas ou arrumando blocos numerados, sem stress e nervosismo.

Claro, até as pilhas acabarem. Sinceramente, o que a gente gastava com pilhas alcalinas naquele tempo...

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