O amargo fim do São Paulo

Vamos mais uma vez fugir um pouco dos assuntos de política e trazer um tema de interesse bem limitado. Mas que até teve uma certa repercussão no noticiário recente por razões ambientais. Depois de um tempo de marasmo aqui no site, vamos falar um pouco a respeito do porta-aviões brasileiro São Paulo, que foi afundado na semana passada depois de uma história sem fim.

Tá, antes de mais nada eu sei que alguns puristas, provavelmente conhecedores de assuntos militares, vai dizer que o navio não era um porta-aviões, mas sim um navio-aeródromo. Isso por conta de tecnicidades, pois "aeródromo" é a palavra que define qualquer superfície que permita movimentação de aeronaves, e teoricamente isso se aplica ao convés de vôo do porta-aviões... ou navio-aeródromo. 

Aliás, é curioso perceber que essa definição de certa forma se relaciona com o conceito de "aeroporto", que considera não apenas a pista mas também toda a infraestrutura para lidar com passageiros e cargas. Ou seja, se tem somente uma pista de pouco, é aeródromo; se tem um terminal de passageiros, é aeroporto. Pode-se dizer que todo aeroporto é também um aeródromo, mas nem todo aeródromo é um aeroporto. Da mesma forma que todo polegar é um dedo, mas nem todo dedo é um polegar. 

Enfim, um pouco de cultura inútil não faz mal a ninguém. E, mesmo considerando a definição formal da Marinha, eu vou chamar de porta-aviões mesmo. Pombas, vamos simplificar um pouco, né?

Voltando ao São Paulo, creio que cabe aproveitar a oportunidade para contar um pouco da sua história. Originalmente ele era conhecido como Foch, porta-aviões francês que foi lançado em julho de 1959 e entrou em serviço em julho de 1963. Com 265 metros de comprimento e deslocando cerca de 32 mil toneladas com um máximo de 32 nós de velocidade (equivalente a 60 km/h), o Foch e seu irmão Clemencau podiam levar cerca de 40 aviões. Ele participou de algumas operações de combate no continente africano, além de ter se juntado às forças da OTAN durante os conflitos na região da antiga Iugoslávia. Isso até o ano 2000, quando foi descomissionado em novembro, e nesse momento foi adquirido pelo Brasil, onde recebeu o nome de São Paulo.

Nosso país já tinha um porta-aviões, que era o Minas Gerais, antigo Vengeance da marinha britânica que era um veterano da Segunda Guerra e estava com o Brasil desde 1956. Assim, era de se imaginar que ele estava bem obsoleto e prestes a ser desligado (o que aconteceu em 2001), justificando assim a compra de um novo porta-aviões. O São Paulo custou cerca de 12 milhões de dólares aos cofres brasileiros, sem incluir nenhum avião, o que muitos achavam ser um gasto excessivo com um navio relativamente antigo (lembrando que o antigo Foch já estava com 40 anos). 

No início de sua carreira, o São Paulo participou de alguns exercícios com outras marinhas, algo que é comum para manter suas tripulações treinadas e preparadas para qualquer eventualidade. Mas a grande verdade é que o mais recente porta-aviões brasileiro não fez nada muito espetacular durante seu tempo de serviço. Por exemplo, um grande "destaque" em sua biografia foi uma explosão que ocorreu em sua casa de máquinas em maio de 2005, que resultou em um severo incêndio. Três tripulantes perderam a vida nesse episódio, justificando uma série de reparos e modernizações na embarcação, que foram concluídas em 2010.

Porém, o maior navio em operação na Marinha não veria muitas operações depois disso. Na prática, o São Paulo operava por alguns meses e depois voltava ao estaleiro para algum tipo de manutenção. Outro incêndio menor e sem vítimas atingiu o navio em 2012, e ele era praticamente uma pista de pouso fixa na Baía de Guanabara, perto da base de nossas forças navais. Apesar de alguns planos ousados para uma significativa modernização, anunciada em 2015 e que teoricamente permitiria o navio operar até o ano de 2029, foram necessários apenas mais dois anos para que a Marinha decidisse por desativá-lo de vez, já que os custos seriam astronômicos: foi calculado um valor de aproximadamente 1 bilhão de reais, algo impraticável para um navio que "começou com o pé esquerdo" e deu mais trabalho que o esperado. 

Nessa época o Brasil também estava adquirindo um outro navio, que acabaria substituindo o São Paulo. Era o porta-helicópteros inglês Ocean, que entrou em operação em junho de 2018 com o nome de Atlântico. Mais um motivo para aposentar o São Paulo.

Quando um navio deixa de operar, na maioria das vezes o seu destino é ser desmontado e virar sucata, e alguns poucos conseguem a sorte de serem mantidos como navios-museu. Até houve uma mobilização nesse aspecto, mas os interessados foram barrados do leilão da compra do São Paulo, que só permitiu empresas que estivessem dispostas a desmanchar o navio. Ganhou uma empresa turca, que ganhou com um lance de aproximadamente 2 milhões de dólares, bem menos do que ele valia. O São Paulo deixou o Rio de Janeiro em agosto de 2022, com previsão de chegar na Turquia no mês seguinte, onde encontraria seu fim.

Mas não foi bem isso que aconteceu. Ao se aproximar de seu destino, as autoridades turcas identificaram que o volume de materiais perigosos contidos no navio (como amianto, cancerígeno extremamente nocivo) eram na verdade muito maiores que o reportado pela Marinha brasileira. Alguns dizem que foi incompetência dos responsáveis pela documentação, que aceleraram o processo e com isso deixaram de fazer uma vistoria detalhada; mas há quem diga que foi malandragem mesmo. Tipo quando o sujeito compra alguma coisa no exterior e pede para que o remetente indique um valor menor da mercadoria que está sendo enviada, para assim não pagar imposto de importação. 

Algo que aliás tinha sido feito com o Clemencau, irmão do São Paulo: quando foi vendido como sucata pelo governo francês, os relatórios indicavam a presença de cerca de 10 toneladas de amianto dentro da embarcação, quando na verdade tinha mais de 600 toneladas. Isso vindo da França, aquele país que se diz defensor do meio ambiente...

Enfim, como hoje em dia os ambientalistas mandam em tudo, teve uma puta pressão do governo turco em não permitir que o São Paulo entrasse em qualquer porto de seu país, até que a compra foi cancelada. Com isso, o velho porta-aviões deu meia-volta para retornar ao Brasil. Só que aí foi a Marinha brasileira quem se recursou a receber o São Paulo de volta. Impedido de voltar ao porto no Rio de Janeiro, o navio ficou vagando pelas proximidades do Nordeste...

Sei lá, dá até uma certa "pena", ao ver como ninguém queria ficar com o São Paulo. E os únicos que queriam, com o objetivo de transformá-lo em navio museu, foram impedidos de comprá-lo.

O impasse continuou ao longo do início deste ano. No final das contas, a Marinha não queria ele de volta nem pintado de ouro, e nesse momento começaram as ideias de afundá-lo em alto-mar mesmo, já que o São Paulo estava em estado deplorável e isso acabaria acontecendo mais cedo ou mais tarde. Claro que nessa hora vieram os eco-chatos, liderados pela ministra do meio-ambiente, a Marina "ET, telefone, casa" Silva. Fico imaginando aquela mulher escrota, que parece um palito de fósforo, reclamando com aquela voz chata que não podia afundar um navio com aquele monte de produtos tóxicos em seu interior, que isso iria fazer mal para o oceano. 

Mas, apesar dos protestos dos abraçadores de árvores e mesmo com uma proposta de última hora de uma empresa da Arábia Saudita para comprar o navio, o São Paulo encontrou o fim melancólico de sua jornada no dia 3 de fevereiro de 2023, após ser afundado na costa de nosso país.

Como eu já comentei aqui em diversas oportunidades, eu vejo que os navios possuem uma biografia, desde o momento em que são lançados ao mar até quando encerram suas carreiras de uma forma ou de outra. E no caso do porta-aviões São Paulo eu diria que esse singelo navio teve uma vida relativamente amarga por aqui. Poucas missões expressivas, diversos acidentes que marcaram os anos em que esteve na Marinha, e ainda terminando sua vida de forma melancólica, como aquele resto de metal que ninguém queria ficar. Diferente de embarcações de guerra que repousam no fundo do oceano após o combate ou mesmo daquelas que mergulharam após algum tipo de acidente ou imprevisto, o São Paulo foi sumariamente "executado", afundado de forma proposital para ser tirado do caminho. Quase como varrido para debaixo do tapete, o que na minha opinião é uma conclusão bem lamentável, ainda mais para um porta-aviões desse porte.

Não tem como não falar um pouco sobre a questão ambiental. Afinal de contas, o São Paulo foi para o fundo do mar junto com toneladas de materiais tóxicos, sem falar que há algumas décadas (ainda como Foch) ele havia operado em mares próximos a regiões de testes nucleares. Não sou profundo conhecedor do assunto, mas é de se imaginar que esse "descarte" do porta-aviões trará consequências nocivas para o ecossistema da região.

Infelizmente não tem como deixar o tema de política de lado, ainda mais neste momento em que vivemos. Mas, como saideira, eu não consigo ignorar o fato de que a mídia em geral não tenha gerado uma repercussão tão negativa sobre o afundamento do São Paulo com toneladas de material tóxico. Com exceção de uma breve repreensão por parte da ET do Acre, não vi nenhum tipo de acusação contra o governo, por estar poluindo o meio ambiente. Afinal de contas, todos nós sabemos que o destruidor da natureza era o Bolsonaro, que jogar um navio repleto de material tóxico no fundo do mar seria algo esperado de sua parte; mas aconteceu no governo "do amor" que defende a Amazônia e o meio ambiente. Por que será que não estamos vendo os eco-chatos reclamando?

Comentários

Anônimo disse…
Diz você que os progressistas estão passando um pano....Tem se falado disso sim no meio progressista, inclusive dentre outros grupos também. Você não vê, porque consome somente dois tipos de mídias.

Conteúdo de uma extrema direita agressiva e pseudo conversadora. E o consome porque é um cobertor emocional quentinho.

E conteúdo da direita caviar hipócrita. E o faz porque te dá munição fácil.

Se largar esse campo de batalha e subir a colina o bastante para enxergar, verá dois exércitos combatendo. Ambos dizendo: Eles são os maus e nós os bons.

Não se trata de isenção. Trata-se de entender que, julgar seus valores como ilibados, inquestionáveis e absolutos em relação ao do seu opositor, nos trouxe até aqui.