Gato pé-frio

Sim, pode parecer estranho, mas essa postagem está com o marcador "navios" sim, pois tem tudo a ver com o assunto, por incrível que pareça. É mais uma daquelas histórias curiosas, que muitas vezes nos questionamos se são de verdade, mas aparentemente os relatos são muitos que teoricamente conferem uma certa veracidade aos acontecimentos que esse bichano passou, aquele que pode ser considerado como o gato mais pé-frio de todos os tempos.


Ele se chamava Oscar, mas depois foi rebatizado como Unsinkable Sam, em homenagem ao seu grande feito de ter sobrevivido ao afundamento de três navios de guerra onde ele estava. Isso mesmo, se por um lado ele teve essa sorte, o mesmo não podemos dizer dos navios que foram pro fundo. 

Vamos conhecer essa história bizarra...

No passado, naquela época das Grandes Navegações e da exploração marítima, era comum que os navios tivessem um ou mais gatos à bordo, que tinham a tarefa de caçar os ratos, que eram responsáveis por vários problemas. Tipo, comiam os suprimentos, roíam as cordas e sem falar em todas as doenças que esses bichos geralmente transmitem. E como sabemos bem depois de anos assistindo Tom & Jerry, os gatos são os inimigos naturais dos ratos, nada mais lógico do que usá-los para controlar essas criaturas. Sem falar que os gatos geralmente são bem independentes, se adaptando bem a qualquer lugar, o que era ideal dentro de um navio onde cada marujo tinha as suas obrigações.

Algo mais útil do que um papagaio, como os piratas faziam. Afinal de contas, qual a utilidade de um papagaio? Ficava só enchendo o saco, pedindo biscoito e contando piada fora de hora... E provavelmente cagando no ombro do capitão. Bicho inútil...


E não era apenas por controle de pestes que os gatos eram preferidos como mascotes de uma embarcação. Pois tinha ainda uma questão mística associada a tudo isso. Afinal, muitas pessoas acreditam que os gatos são seres de grande poder espiritual, que afastariam entidades maléficas que poderiam afundar o navio. Por isso que muitos marinheiros insistiam em levar os gatos em seus navios, para protegê-los de das tempestades, e de monstros e espíritos do Mal

Como o Imhotep.


Pra quem não entendeu a piada... vai assistir o filme A Múmia (o original com o Brendan Fraser, e não aquela tosqueira com o Tom Cruise), e você entenderá...

O costume perdurou por várias décadas, com os navios ficando cada vez maiores e mais seguros, mas ainda confiando na ajuda dos felinos. Mesmo na época da Segunda Guerra Mundial muitas embarcações de aço contavam com um mascote desse tipo. 

E foi assim que começou a história de Oscar... Ele era um gato preto e branco, que pertencia a um marinheiro alemão que o levou para dentro do navio onde iria servir. Um navio recém-lançado, que iria fazer a sua primeira viagem em maio de 1941, que se chamava Bismarck.

Sim, ele mesmo... o famoso encouraçado alemão Bismarck.


Um dia ainda escrevo sobre a sua única e última missão do orgulho da marinha alemã. Mas certamente você deve ter ouvido falar alguma coisa desse navio, que mobilizou vários navios ingleses para afundá-lo. Foram poucos sobreviventes, entre eles estava um gato que os ingleses encontraram, agarrado em um pedaço de madeira. Com pena do bichano, os marinheiros o recolheram.

O gato havia sido resgatado pela tripulação do destróier inglês Cossack. Como ele não tinha nenhuma coleira com um nome que o identificasse, decidiram batizá-lo de Oscar. E o nome não foi por acaso. Provavelmente você já deve ter se dado conta de que é comum que as embarcações usem bandeiras coloridas. Cada uma delas representa letras do alfabeto ou números, e uma das formas muito comuns de usá-las é para escrever algum tipo de mensagem. Observando que existem aquelas palavras de código que representam cada letra: tipo, A é Alfa, B é Bravo, e assim por diante.


Além disso, cada uma das bandeiras de letras possui também um significado auxiliar, baseado em mensagens padronizadas do Código Internacional de Sinais. Se você aumentar a imagem e olhar na letra O, de Oscar, verá que seu significado é "homem ao mar". E daí veio a origem do nome do gato, pois ele foi encontrado no meio do mar.

Bom, o nosso amigo de quatro patas teve que se acostumar com sua nova casa. No conflito naval da Europa, um das principais missões da marinha inglesa era escoltar comboios, e o Cossack operou durante os meses seguintes em operações no Atlântico e no Mediterrâneo. Com o Oscar ali dentro.


E não é que em outubro de 1941 o navio afundou?

Durante a escolta de um comboio saindo de Gibraltar, o destróier inglês foi atingido por um torpedo, disparado por um submarino alemão. A pancada foi tão forte que uma parte da frente do navio se rompeu, vitimando vários marinheiros. Foi feita uma tentativa de rebocar o Cossack de volta para Gibraltar, mas o mau tempo impediu, e assim o navio afundou.

Mas o Oscar sobreviveu.


Pois é, como dizem os gatos tem sete vidas... Ou nove, se for um gato americano. E o felino provavelmente consumiu mais uma delas ao sobreviver ao naufrágio do Cossack. Juntamente com os demais tripulantes, ele foi resgatado pelo destróier Legion (guarde esse nome, você verá por quê) e levado para Gibraltar, onde iria ficar um tempo em terra-firme.

E nesse momento ele ganhou um novo nome, sendo rebatizado como Unsinkable Sam, graças ao seu recorde de ter sobrevivido a dois naufrágios.

Não demorou muito e o gato foi levado à bordo de outro navio, agora o gigantesco porta-aviões Ark Royal. Era considerado um navio "sortudo", pois havia escapado de muitos ataques inimigos, e coincidentemente havia sido um dos principais responsáveis pelo afundamento do mesmo Bismarck onde o gato vivia.


Aposto que você já está imaginando o que aconteceu...

Em novembro de 1941 (um mês após o afundamento do Cossack), o Ark Royal estava retornando para Gibraltar depois de uma missão, e foi surpreendido por um submarino alemão. O antes sortudo porta-aviões foi atingido em cheio por um torpedo, abrindo um rombo em seu casco que resultou em uma inclinação do navio. Os ingleses tentaram rebocar o navio de volta para a base, mas o Ark Royal engoliu muita água e acabou afundando.


A sorte é que o processo foi relativamente lento, o que permitiu que praticamente todos os seus ocupantes fossem resgatados por destróieres que o escoltavam. Entre eles, o mesmo Legion que havia salvo os marinheiros do Cossack, e o destróier Lightning da mesma classe, que levou todo mundo em segurança de volta para Gibraltar

Entre os sobreviventes, estava de novo o bichano Sam, que foi encontrado agarrado em uma asa de avião. Segundo relatos, ele estava sem nenhum ferimento, mas com muita raiva. Certamente por ter tomado um banho forçado pela terceira vez...


Depois de tudo isso, os ingleses se deram conta de que o Sam podia não afundar, mas que ele tinha um azar lazarento e provavelmente nenhuma tripulação iria querer chegar nem perto do bichano.

Pra você ver que os destróieres Legion e Lightning, que apenas ficaram com ele algumas horas durante o resgate, vieram a afundar depois, o primeiro em março de 1942 após ser bombardeado em um porto e o segundo em março de 1943 depois de ser atacado por lanchas torpedeiras alemãs.

Sam nunca mais foi mascote de nenhum navio, e passou a ter uma vida mais tranquila em terra-firme, vivendo da casa do governador-geral de Gibraltar e depois acabou indo para a Inglaterra, onde viveu até 1955. 

Realmente, é uma história bem engraçada e peculiar. Tem horas que eu fico me questionando se tudo isso foi mesmo verdade, se não teve aí alguma romantização. Vai que eram gatos diferentes em cada um dos navios? Mas os muitos relatos levam a crer que isso deve ter acontecido mesmo. No mínimo, é uma história curiosa de como esse gato foi por um lado muito sortudo por ter sobrevivido a três naufrágios, mas por outro lado também foi um grande pé-frio. 


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