Navios de Guerra - William D. Porter

Seguimos com outro post sobre navios, aqueles que eu imagino que devem interessar a apenas 0,001% dos visitantes do blog, que devem ser pessoas que chegam até aqui por engano. Mas eu sou um texugo brasileiro e não desisto nunca, e o que me motiva a continuar mantendo esse site é poder escrever sobre coisas que eu gosto e acho interessantes. E como eu já comentei várias vezes, sempre achei legal saber sobre a "biografia" de navios, incluindo aqueles que tiveram suas histórias curiosas e bizarras. E é exatamente isso que veremos hoje, conhecendo um singelo destróier norte-americano chamado William D. Porter.


Em um primeiro momento pode parecer meio inconsistente eu escrever sobre um singelo destróier. Afinal, esses navios pequenos eram embarcações muito pequenas e que passavam despercebidas, mesmo cada um deles tendo seu nome de batismo e sua história. Ainda mais se falamos dos Estados Unidos, que tinham centenas de destróieres. Mas esse aqui sem dúvida merece ser lembrado, pois ele conseguiu uma grande proeza, totalmente fora de série.

Ele deve ter sido o navio mais azarado e que mais fez merda!

Pois é... o pequeno William D. Porter fazia parte da classe Fletcher, representada por 175 navios ao todo, fazendo essa a "família" de destróieres mais numerosa dos Estados Unidos. Os Fletechers eram pequenos, com cerca de 115 metros de comprimento, e cada um deslocava cerca de 2500 toneladas com carga máxima. O grande ponto forte era a velocidade, podendo chegar a impressionantes 36 nós (quase 70 quilômetros por hora). Quanto a armamentos, cada um tinha cinco canhões de 127 milímetros em torres simples, além de canhões anti-aéreos, lançadores de torpedos e de cargas de profundidade.

Algo interessante é que alguns desses navios chegaram a ser modernizados a ponto de participarem das guerras da Coréia e do Vietnã. E cabe ressaltar que diversos Fletchers foram vendidos para marinhas de outros países, incluindo o Brasil que teve sete destróieres dessa classe, em operação até meados da década de 80. Esse aí abaixo era o Pernambuco.


O William D. Porter em particular, com a especificação DD-579, foi lançado em setembro de 1942 e entrou em serviço no mês de julho de 1943. Como você viu nessa postagem sobre os nomes de navios, os destróieres norte-americanos eram geralmente batizados em homenagem a personalidades da marinha ou dos fuzileiros navais, e aqui não foi diferente. No caso, o destróier recebeu o mesmo nome de um comodoro que lutou na Guerra Civil. 

Sua primeira missão viria a ser alguns meses depois, em setembro. Nessa época, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, estava em viagem para o Irã, para uma reunião com o Churchill do Reino Unido e o Stalin da União Soviética. Essa não foi aquela reunião mais famosa dos livros de História, que eles tiveram depois do fim da guerra pra dividir a Europa, embora já nesse encontro algo nessa linha foi discutido. Para chegar lá, o presidente norte-americano iria a bordo do novíssimo encouraçado Iowa, levando vários navios de escolta, entre eles o William D. Porter.


E a "carreira" de infortúnios do pequeno destróier começou desde cedo. Pois, ao deixar o porto, algum marujo se enrolou na hora de recolher a âncora, que não subiu completamente. Assim, ao manobrar para sair do porto, a âncora veio passando o sarrafo no convés de outro destróier da mesma classe que estava parado ao lado. Nada muito crítico, apenas as grades de proteção e alguns botes salva-vidas do outro navio foram despedaçados pela âncora... mas já era um mau presságio sobre o que estava por vir.

O comboio, com o Iowa, o William D. Porter e outros dois destróieres, seguiu a travessia pelo Atlântico. Cabe lembrar que o oceano estava repleto de submarinos alemães, sempre buscando afundar cargueiros aliados. Talvez eles não fossem se aventurar contra uma frota de guerra, mesmo com um encouraçado apetitoso para afundar. E imagino que não era de conhecimento geral que o presidente Roosevelt estava a bordo, bem provável que era uma viagem secreta. Mas, mesmo assim não dava pra bobear, e todo mundo tinha que ficar a atento.

E para que todo mundo estivesse bem afiado, era comum que fossem realizados testes e exercícios de operações anti-submarino. Um desses testes consistia em lançar cargas de profundidade vazias, sem explosivos. Para quem não sabe, as cargas de profundidade são uma das principais armas para enfrentar submarinos, imagine como se fossem grandes barris metálicos que explodiam em uma determinada profundidade, como uma granada submarina. 


Os destróieres começaram a fazer os exercícios, até que uma bela hora teve uma puta explosão submarina. Certamente todo mundo pensou "fudeu", talvez fosse um ataque de um submarino alemão, e logo em seguida todos os navios começaram manobras evasivas, tentando localizar o agressor. Como que isso tinha acontecido, como que um submarino chucrute tinha conseguido chegar tão perto?

Pois é... não era um submarino alemão... mas outra lambança do "Willie Dee"...


Durante os exercícios, uma das cargas de profundidade do destróier azarado tinha simplesmente caído por engano. Sim, isso mesmo que você leu: caiu por engano! Imagino que deve ter sido alguém que esbarrou nela, e aquele barril explosivo rolando pelo convés. E o pior de tudo: a carga estava armada! Fico pensando se não tinha o risco dela explodir ali mesmo e partir o pequeno navio em dois... mas ela rolou pelo convés até cair na água. E como estava armada, após alguns segundos teve a explosão que todo o restante da frota escutou. 

Pior de tudo é que o comandante do navio ficou quieto. Podia ter avisado antes que tinha ocorrido aquele acidente, mas só depois que todo o comboio ficou desesperado em manobras evasivas, é que o cabra avisou da cagada que tinha feito. Pode apostar que nesse momento muita gente a bordo dos outros navios devia estar se perguntando o que aqueles picaretas do destróier estavam fazendo...


Não foi uma cagada sem vitimas, entretanto. Pois o William D. Porter acabou sendo atingido por uma puta onda que varreu o navio, levando um de seus marinheiros que jamais foi visto depois disso...

A viagem continuou, e em um determinado momento o capitão do Iowa decidiu mostrar pro presidente as capacidades de defesa fuderosas de seu mega encouraçado. Afinal de contas, tinha que mostrar pro chefia que aqueles milhões de dólares investidos na Marinha valiam a pena. Pra isso, eles iam lançar alguns balões no ar, que seriam metralhados por suas armas anti-aéreas. Claro que não era grandes coisas, mas sem dúvida o Roosevelt curtiu o bang-bang dos canhões dilacerando meros balões meteorológicos.  


Acontece que nem todos foram derrubados, e alguns ficaram para trás. E nessa hora o comandante do "Willie Dee" decidiu mostrar que sua tripulação não era feita de trouxas incompetentes que não sabiam recolher uma âncora e desativar uma carga de profundidade. Assim, ele ordenou que as armas anti-aéreas derrubassem os balões que sobraram. O que conseguiram fazer (pelo menos isso).

Continuando, a próxima parte da demonstração era simular disparos de torpedos. Logicamente que os torpedos não eram lançados de verdade, e por segurança os detonadores eram removidos, caso um deles acabasse sendo lançado sem querer. Cada navio escolhia um alvo, e o comandante do William D. Porter escolheu o Iowa. Afinal de contas, o navio era grande pra cacete, e não ia ter como eles errarem na demonstração.


Aposto que você já está imaginando o que aconteceu. Sim, isso mesmo.

O "Willie Dee" começou a demonstração. "Torpedo um!" e pronto, o primeiro tiro foi simulado. "Torpedo dois", e mais uma simulação. "Torpedo três!", e aí se escutou um barulho de algo caindo na água. Todo mundo correndo pra olhar, e só se via aquele rastro de um torpedo ARMADO em direção ao navio onde estava o presidente dos Estados Unidos!


Atiraram a pôrra de um torpedo no navio do presidente!!!

Nessa hora começou o fuzuê dentro do destróier, nego correndo pros cantos e um desespero só. Eles precisavam avisar o Iowa de que tinha um torpedo indo em sua direção. Aí é que vem outra bizarrice: como era uma missão secreta, havia sido instituído silêncio no rádio, que só poderia ser usado em emergências. Bom, acho que não precisa ser grandes coisas para perceber que um torpedo que poderia assassinar o presidente era uma puta emergência, e numa hora dessas certamente o comandante do "Willie Dee" teria um pouco de bom senso pra quebrar o silêncio e avisar a tripulação do Iowa.

Mas não... afinal, ordens são ordens! Então eles tentaram usar sinais luminosos para avisar o encouraçado, mas o operador devia estar abafado e acabou passando uma mensagem errada. Finalmente, o capitão pegou o rádio e avisou, só que em vez de falar logo "tem um torpedo chegando aí, fio", ficou cheio de formalismos e códigos. A sorte é que alguém no Iowa percebeu que tinha um torpedo chegando, e o navio acelerou e iniciou as manobras evasivas.


O engraçado da história é que o Roosevelt, quando soube que tinha um torpedo indo na direção do Iowa, pediu para ser levado para o convés, pois ele queria ver. Tava mesmo afim de fortes emoções. 

Por sorte, o torpedo acabou explodindo ao atingir as ondas formadas pelo Iowa em velocidade. O comandante do Porter passou uma mensagem de rádio, provavelmente dizendo algo como "falha nossa". Mas foi a gota d'água (com trocadilho, por favor): depois desse incidente, o destróier foi liberado da força-tarefa e recebeu ordens de ir para o porto na ilha de Bermudas. Reza a lenda que, depois desse "ataque", o Iowa ficou com seus canhões apontados para o "Willie Dee" até que ele desaparecesse no horizonte.

Pois é, que absurdo! Não dá pra acreditar que em tão pouco tempo esse navio fez tantas lambanças. Tanto que, ao chegar nas Bermudas, tinha um pelotão de fuzileiros que prendeu toda a tripulação, sob a suspeita de que eles estavam tentando assassinar o presidente. Nunca na história isso havia acontecido. Acabou que se deram conta que tinha sido mesmo muita inexperiência e azar da tripulação. Só o marujo que atirou o torpedo, e havia mentido no depoimento, foi sentenciado a 14 anos de trabalhos forçados, mas acabou sendo liberado da pena pelo próprio Roosevelt, solidário à tripulação azarada e ao mau-entendido.

E essa é a história do navio mais azarado... peraí, que tem mais!


Claro, tava demorando aparecer alguma menina-navio por aqui. Mas, não é do Kantai Collection nem do Azur Lane, jogos que eu já falei várias vezes aqui, mas sim do Warship Girls. E é justamente a versão antropomorfizada do azarado destróier da postagem.

Depois de todo esse incidente, o William D. Porter foi transferido para o Pacífico. Como ele já tinha uma "fama", acabou sendo destacado para um canto onde não iria atrapalhar muito, atuando na região das Ilhas Aleutas, lá naquela perninha do Alaska. Provavelmente ali o "Willie Dee" não iria arrumar confusão, no meio do gelo.

Só que não foi dessa vez. Parado no porto, numa bela noite um marinheiro do William D. Porter que tinha tomado um goró achou que ia ser "duca" dar um tiro com um dos canhões principais do navio. Ninguém conseguiu deter o bebum e o canhão foi disparado, sabe-se lá onde o projétil caiu...


Pior que se soube onde caiu: bem no jardim da casa do comandante da base! E, pra completar, exatamente naquela noite ele estava dando uma festinha para alguns oficiais e suas esposas. Imagina só a surpresa deles, do nada escutar uma explosão e ver um tiro de canhão fumegante no jardim. Pior se tivesse acertado a casa do sujeito... 

Certamente o marinheiro bebum foi mandado pro porão pra descascar batatas.
Realmente não dá para acreditar que um único navio viesse a participar de todas essas situações, parece até piada mas são todos fatos verídicos que deram uma má fama ao navio. Mas se você acha que acabou, está enganado. Pois o destino quis que o malfadado "Willie Dee" encerrasse sua carreira na Marinha da forma mais azarada e espetacular possível.

O final da guerra contra o Japão se aproximava, e isso exigiu o esforço de cada embarcação que os Estados Unidos tinham à disposição, incluindo o William D. Porter. Ele foi destacado para uma esquadra atuando próximo à ilha de Okinawa, enfrentando ataques constantes de aviões japoneses. Parecia que a sorte do destróier estava mudando, conseguindo sobreviver a alguns ataques, apesar de haverem relatos de que eles derrubaram três caças aliados e acertaram sem querer alguns tiros contra outro destróier, ao se defender dos ataques japoneses. Tudo isso até a chegada dos kamikazes...


Pra quem não sabem, os kamikazes foram a tentativa desesperada do Japão enfrentar os inimigos, que eram muito mais fortes e em maior número. Basicamente, o kamikaze era o piloto que usava seu avião quase como um míssil, se jogando contra o navio. Claro, uma técnica suicida, pois o sujeito ia se desviando do fogo anti-aéreo e colidia contra a embarcação, causando um enorme estrago. Vários navios norte-americanos foram seriamente danificados ou mesmo afundados por tais ataques, que se mostraram bem efetivos e destrutivos.

E o William D. Porter foi alvo de vários desses ataques, conseguindo se proteger. Até o dia 10 de junho de 1945. Um avião japonês solitário, modelo obsoleto do início da guerra, surgiu das nuvens e iniciou o seu mergulho suicida contra o destróier, que revidou com intenso fogo anti-aéreo e manobras evasivas. Até que o avião foi derrubado e mergulhou no oceano. Maravilha, mais um ataque kamikaze rechaçado, todo mundo comemorando, até que do nada uma puta explosão ocorreu debaixo d'água, imediatamente abaixo do "Willie Dee", tão forte que jogo o navio alguns metros para cima, desabando depois em chamas.

Inacreditável o que aconteceu... segundo se avaliou, após o avião japonês ter sido abatido e afundado, ele ainda estava em velocidade e prosseguiu debaixo d'água, para finalmente explodir quando estava abaixo do navio! Fiz até esse GIF animado para ilustrar o que aconteceu.


Só com esse navio tão azarado assim, pra ser afundado por um avião que estava debaixo d'água...

Foram feitas várias tentativas para salvar o William D. Porter, mas não adiantava mais, a "sorte" do pobre destróier havia acabado. Após algumas horas, ele acabou emborcando e indo dormir para sempre no fundo do oceano. Ao menos algo de positivo: nenhum de seus tripulantes perdeu a vida após esse ataque, e todos foram resgatados. 


E dessa forma terminou a história de um pequeno destróier, que foi o mais azarado navio que já navegou pelos Sete Mares. Não dá nem pra acreditar em como o William D. Porter conseguiu tamanha proeza, fazendo tanta lambança como um adolescente atrapalhado. Sem dúvida uma história única. 

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