Pense Bem

Você se lembra de seu primeiro computador? Algo que hoje é tão trivial e todo mundo tem, lá nos anos 80 e 90 era bem mais difícil de se ter. Sequer existia ainda o Windows, não tinha nada de duplo clique ou internet, computadores eram vistos como aqueles apetrechos de difícil acesso, algo que apenas a NASA teria. Tá bom, posso ter exagerado... Mas era como a criançada da época via, grandes caixas cheias de luzes piscantes e que podiam fazer qualquer coisa.

Ter um computador caseiro nessa época era meio complicado. Além de caros, eles não tinham assim tantos recursos como hoje em dia que justificassem seu uso em um lar, era algo restrito mesmo ao trabalho. Junto com a chegada do Atari nos anos 80, começaram a aparecer alguns computadores caseiros, de ligar naquela caixinha na TV, mas que eram bem limitados. Faz você pensar como que a informática avançou tanto em algumas poucas décadas, imaginar que lá nos primórdios esses computadores pessoais tinham memória de 48 kbytes e que dependiam de uma fita cassete para gravar um programa tosquinho depois de horas digitando linhas de programação, e hoje temos celulares com capacidade centenas de milhares de vezes maior que cabem no seu bolso e fazem miséria...


Enfim, mas chega dessa introdução, pois aqui a idéia é lembrar daquele que foi de fato o meu primeiro computador, embora não passasse de uma diversão eletrônica. Antes de ter aqui meu PC, lá quando era um pequeno texugo, eu tinha um Pense Bem.

A Tec Toy era a fabricante de brinquedos que nos trouxe o Master System, os mini-games e muitas outras diversões eletrônicas, e uma delas foi o Pense Bem. Acho que foi outro dos brinquedos de um de meus Natais, e que me encantou muito pois eu já tinha um certo interesse por computadores. Confesso que não sei mais onde está o meu, não sei se está guardado ou se ele pifou e já foi desta para melhor...

Vamos explicar como ele era então. Bom, ele tinha realmente o visual de um computador, mas naquele estilo quase como o jurássico Apple II, em que tudo era um conjuntão com teclado e monitor. Logicamente que o Pense Bem era mais modesto, trazendo um teclado mais limitado, composto por uma carreira de botões amarelos que vou explicar mais adiante, outra com números, botões azuis com as quatro operações aritméticas fundamentais e quatro botões grandes e coloridos, além das teclas de ligar, desligar, um botão "livro" e a manjada tecla Enter. Faz você pensar como lá atrás não teve a frescura de aportuguesar a tecla como Entra, que ficaria muito escroto.


Seu monitor por sua vez era na verdade um visor daqueles tipo uma calculadora. com sete dígitos. O motivo pelo qual colocaram um número ímpar como sete, permanece para mim um mistério. E a "impressora" ao lado era apenas decorativa, um detalhe no plástico de sua estrutura. Parece aquelas que tem nos caixas eletrônicos de banco.

Pra fazer o bichinho funcionar, era complicado. Ele precisava de seis pilhas médias, aquelas de tamanho C. Pilhas essas que começavam a ficar cada vez mais raras no mercado, perdendo espaço para as pilhas AA e AAA, mais práticas para equipamentos portáteis. Era guloso esse Pense Bem, mas a Tec Toy bolou uma forma legal de contornar isso, pois ele funcionava também na energia elétrica, por meio de um adaptador AC. Claro que esse adaptador não era incluído na caixa original, e você tinha que convencer os seus pais a comprar um, provavelmente usando como desculpa uma futura economia de pilhas fundamentada em uma boa-prática ecológica. Digo que meus pais não pensaram duas vezes, e vendo o quanto eu jogava no Pense Bem, logo viram vantagem em arrumar um adaptador de força.


No final das contas, o Pense Bem estava mais para calculadora do que computador. Ou melhor, um pequeno videogame baseado em uma calculadora. Os jogos se dividiam em dois grupos, aqueles que já vinham embutidos nele e os livros de atividades. Vamos falar deles um pouco pra lembrar como era.

Começando com os jogos padrão, os cinco primeiros eram de matemática bem simples, em que você devia dar a resposta para dez contas, baseadas na operação matemática escolhida no jogo. Na quinta modalidade chamada "aritmética", cada questão apresentava uma operação aleatória. Era só digitar o número e apertar Enter, acertando a resposta o Pense Bem tocava ma musiquinha feliz e ia pra próxima; errando, vinha o som meio apreensivo e você tentava de novo, e se errasse três vezes danou-se, questão perdida. Era apresentado o resultado correto e ia pra próxima.


Um outro jogo matemático, que eu particularmente gostava muito, era chamado "operação". Nele, o Pense Bem apresentava dois números e uma resposta, e você tinha que usar as teclas azuis para identificar a operação correta. Por exemplo, se ele mostrasse algo como "7 ? 5 = 35" era necessário escolher o sinal de multiplicação. Mesmo esquema, com dez questões com operações aleatórias, com três chances para acertar em cada uma.

Os dois jogos seguintes eram musicais, que eu não curtia muito. O primeiro, "Siga-me", era na verdade algo como o Genius, onde o programa tocava uma nota e você tinha que tocar ela de novo, e a cada rodada ele acrescentava mais uma nota musical. E o segundo, "Memória de Tons" era apenas um gravador, onde você podia digitar uma sequência de sons para gerar uma música e depois tocá-la.

Não sei você, mas realmente eu não era muito chegado nesses jogos musicais. Matemática, tudo bem, isso tem a ver com computação; mas Dó-Ré-Mi, não rola.


Por fim, os dois últimos jogos também eram numéricos, mas um pouco mais elaborados. O "Número do Meio" era algo como encontrar a média, eram mostrados dois números e você tinha que digitar aquele que vinha exatamente entre os dois. E em "Adivinhe o Número", você precisava adivinhar o número (dããã...), após dar uma tentativa o Pense Bem dizia entre que números estava. Confesso que não me lembro bem desse aqui...

A maioria dos jogos tinha um sistema de pontuação de zero a cem, que era mostrada no final. Mas não tinha nada como um placar, onde você poderia ver os seus resultados anteriores. Pensando bem (com trocadilho, por favor), eram jogos tão simples que com o passar do tempo alguém bom de matemática conseguiria atingir a pontuação máxima sem muitas dificuldades.

Bom em matemática ou que trapaceasse com uma calculadora do lado! Algo muito deprimente pra se fazer, considerando a facilidade das questões, e que só mesmo um lesado iria apelar pra isso.


Pra complementar esses jogos básicos que vinham no Pense Bem, a Tec Toy bolou também os livros, um deles já vinha com o brinquedo, mas outros deviam ser comprados separadamente. Cada livro era na verdade algo como um caderno de múltipla escolha, dividido em cinco capítulos com 30 questões cada um. Pra jogar, você tinha que digitar um código de três dígitos correspondente ao livro e seu capítulo, e aí começavam as perguntas. Além dos cinco capítulos padrão, você podia tentar o sexto capítulo, que na verdade era uma revisão com questões aleatórias de todos os anteriores.


Iniciado o capítulo, era então ficar com o livro ali do lado junto com o Pense Bem. Pra cada questão, era indicado o seu número e você tinha que escolher uma das quatro opções indicadas no livreto, associadas a cada um dos quatro botões coloridos. Acertando, você ia pra próxima; errando, tentava mais uma vez, até um máximo de três tentativas (afinal de contas, numa questão de quatro opções, após errar três fica bem evidente qual era a resposta correta). Assim você ia e no final recebia a sua pontuação, podendo ir para o próximo capítulo.

Os livros eram de temas variados... alguns eram focados em matérias escolares como história ou geografia, e tinham aqueles que eram tipo uma história baseada em personagens clássicos, como a Turma da Mônica, o Pato Donald, a Família Dinossauros e outros. Tinham até alguns baseados em personagens de videogame, como Sonic e Street Fighter. Afinal de contas, a Tec Toy estava muito relacionada com os jogos da Sega na época, nada mais natural que aproveitar seus personagens nos livrinhos.


É legal dizer que na prática o código do livro era o que definia quais eram as questões certas, algo como se já houvesse na memória do Pense Bem a sequência de respostas corretas pra cada questão de um determinado livro. Assim, mesmo que você não tivesse o livro, poderia inventar um código qualquer (lembrando que os dois primeiros dígitos indicam o livro e o terceiro seu capítulo), e com isso até mesmo criar um livro seu.

Digo isso pois eu me lembro que certa vez eu tentei criar um livrinho do Pense Bem. Chutei um número qualquer nele, e saí testando as respostas, só pra descobrir qual letra era a certa, criando assim uma lista de todas as questões e suas respectivas opções corretas. Aí, era só deixar a imaginação rolar, bolar uma pergunta, pensar em três respostas erradas pra completar e distribuí-las entre as quatro letras, apenas tomando o cuidado de associar a resposta certa à opção correta do Pense Bem.


Isso mesmo, quando a grana é curta e eu já estava ficando enjoado dos mesmos livros que eu tinha, a criatividade trazia boas idéias. E penso hoje como eu era meio bobo, pois não tinha muitos amigos com Pense Bem e eu acabei jogando esse livro que criei eu mesmo. Sem noção, afinal de contas faria muito mais sentido eu criar um livrinho para que outras pessoas tentassem responder...

Tentei me lembrar que quais livros eu tinha... Me lembro que havia um de História e outro de Geografia. Também tive esse aí de cima, que era do Senninha, e o da Família Dinossauros. Acho que tive algum também da Disney, não em lembro qual.

Foi um brinquedo que foi bem aproveitado, isso posso dizer. Pode parecer papo de caxias, mas na época parecia que eu estava mais interessado em brincadeiras mais educativas, que faziam pensar. Sempre tive um certo gosto pela matemática, e como o Pense Bem tinha muitos jogos focados nessa matéria, era realmente algo legal até para aprender. Talvez um dos poucos brinquedos que eu podia brincar antes das provas, pois servia até como estudo.

Uma curiosidade que eu nem me lembrava: alguns anos mais tarde a Tec Toy lançou uma versão melhorada do original, chamada Pense Bem Multi. Não me lembro como ele era pois não tive esse, e sequer achei muitas referências dele na Internet, assim se algum visitante teve, fique à vontade para colocar nos comentários as suas impressões.


A única coisa que já dava pra perceber é que ele era mais perto de um computador, trazendo teclado mais completo com as letras, ganhando uma tela de LCD e aparentemente era compatível com os livros do Pense Bem original. Fico imaginando o tipo de jogos que vinham nele, certamente mais sofisticados que no original.

Além disso, cabe ressaltar que em versões do Master System e do Mega Drive lançadas aqui no Brasil incluíram na memória uma adaptação dos livros do Pense Bem, feita por uma empresa brasileira chamada Devworks. No final das contas, apenas reproduzindo um jogo de perguntas de múltipla escolha, mas que acertou ao resgatar a referência ao computador de brinquedo de anos antes, incluindo as teclas coloridas.


Realmente este foi um brinquedo bem interessante, e que talvez sobreviveria ao tempo, devido ao seu perfil mais educativo. Acontece que hoje em dia, competindo com os tablets e telefones, o Pense Bem certamente não teria muitas chances...

...

Ou será que teria?

Parece que alguém lá na Tec Toy (que ainda resiste) acredita que sim. Pois recentemente a empresa anunciou o relançamento do velho brinquedo, exatamente igual ao original de nossa infância. Sairá por 300 reais, o que pode ser um pouco salgado para uma calculadora vitaminada. Mas que sem dúvida vai agradar aos saudosistas, imagino muita gente na casa dos 30 e 40 que vai desembolsar essa graninha pra reviver as lembranças de uma época mais simples, em que a informática engatinhava aqui no Brasil. Até mesmo penso que a criançada de hoje pode se interessar, pra variar um pouco em relação aos celulares modernos, trazendo brincadeiras mais educativas e saudáveis.

Vamos ver como serão as vendas do Pense Bem, que logo chega aos seus 30 anos de idade.

E só mais um comentário: pode parecer que essa postagem aqui surgiu depois desse anúncio de seu relançamento. Mas verdade seja dita, eu já tinha terminado esse texto lá no final de abril, e estava com ele guardado aqui, esperando uma boa oportunidade pra colocar no ar. Veio então um belo dia semana passada e vi que iam relançar o Pense Bem, e ficou claro que era o momento, só precisei dar essa acrescentada aqui. Pra comprovar que não estou de ondinha, tirei um print da minha página de rascunhos pra mostrar a data, logicamente escondendo os títulos dos outros posts, pra não estragar a surpresa...

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